29 de ago. de 2011

A memória e a história, tecendo sensibilidades

Fazia frio em Francisco Beltrão no dia da formação. O grupo dos professores de literatura se esquentava com chimarrão. Essa herança da cultura sulista está presente em várias cidades do interior do Paraná. Em vez de água se toma mate. Pois é, não há frio que resista ao mate... e uma roda de histórias.

 A voz poética despertou a memória. A história de cada um reforça a identidade do sujeito narrador. Dela surgem vestígios de um passado distante, vozes ancestrais que um dia lhe contaram uma história.                                                                      
Talvez o tataravô do tataravô a tenha ouvido e, nesse momento, vestígios genéticos se agitam no íntimo do seu ser, afirmando que aquela cena já foi sua. Logo depois, outra lembrança insiste em se tornar real. Alguém... Pai, mãe, avô, avó, quem? Quem ouviu essa história primeira, deitado na cama após o chá de capim-limão? Não importa, sem dúvida. Quando se acordam essas lembranças e se compartilha com os companheiros de roda, preserva-se não só a própria história, como se fortalece os laços que unem os sujeitos. 
E foi assim, no dia chuvoso e frio. Saímos com a alma aquecida. O bom de lidar com a literatura é que o trabalho sempre tem gosto de diversão e arte.

25 de ago. de 2011

FELIT – 1ª Feira Literária de São Bernardo do Campo



Dia 04 de agosto estive na FELIT, a feira do livro infantil e juvenil de São Bernardo do Campo. Foi a primeira edição de um evento que promete. Em parceria com a FNLIJ, a Prefeitura Municipal e a Secretaria de Educação, investiram na formação literária dos pequenos.  A conscientização de que a leitura literária é um caminho seguro para a formação de sujeitos-cidadãos livres, criativos e criadores, levou o município a fazer um investimento significativo, onde o livro de baixa qualidade não teve vez. Sorte dos pequenos, que saíram de lá com seu exemplar de qualidade.
Existe critério para a escolha do livro literário, sim, e essa escolha é fundamental, quando se pensa em educar para o século XXI. Reafirmar os sentidos para uma existência plena, onde as diferentes dimensões do ser têm espaço garantido, onde as diferentes linguagens são asseguradas, pede a mediação da arte  literária. Ela é uma ponte segura para o acesso a esses níveis refinados de consciência. 
A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil atua seguindo esses e outros princípios, que valorizam o livro literário, e reasseguram seu espaço no imaginário dos pequenos leitores.  E, ciente disso, organiza feiras que prioriza a inteligência das crianças e dos jovens e a qualidade do que apresenta. Ganha todo mundo. O público, o autor, a editora e as instituições envolvidas. 
Passavam por lá, aproximadamente 4.000 crianças por dia, e eu devo ter falado para umas 600 ou mais. Lindas, atentas e participantes. A gente sabe como é a dinâmica das feiras de livro. Tudo acontece simultaneamente, há barulho e muitos focos para distração, mas nada disso tirou a atenção dos pequeninos. Falei para os alunos da educação infantil. Li trechos dos meus livros, propus brincadeiras com a linguagem, e improvisações sonoras com as onomatopeias sugeridas pelo texto. Eles se divertiram e eu com eles. 
 Esse é um bom caminho para formar leitor, apresentando a literatura no seu suporte mais acessível, o livro. 
Leitor se forma lendo, nessa interação afetiva, entre o sujeito que lê, o sujeito que ouve e o sujeito livro. Quando os pequenos leitores se encontram com um mediador sensível e sensibilizado pelo texto literário, a leitura acontece de forma natural, agradável e envolvente. Quem disse que  criança não gosta de ler? Só quem nunca se encantou com um livro literário.   

19 de ago. de 2011

(De caso com a letra I, parte 2) Ibirama, ligada pelos bits

criança ouvindo história se larga no chão
Os caminhos que nos levam às pessoas e aos lugares são diversos. Nesse tempo de tecnologia digital somos encontrados e conectados por esse meio. As redes aproximam pessoas. Ter um blog ou um site no ar é se mostrar ao mundo. Há vantagens e desvantagens nesse universo. Depende de como nos apropriamos dele. Às vezes nos expõem perigosamente, outras favorece trocas de saberes e afetos.

Com Ibirama foi assim, um encontro virtual, que se iniciou por um email que dizia, Cléo, sou uma leitora e apreciadora do seu trabalho. Alimentado amorosamente através de outros emails, e quando a gente se deu conta, tínhamos encontro marcado. Quase um caso virtual, não fosse a materialização, após inúmeros acordos. E foi um caso de amor a três, eu, Neusa e Rosimeire, coordenadoras da NTE Ibirama, mulheres incansáveis, profissionais dedicadas e competentes. E gracinhas!  Meus casos são sempre bem escolhidos. 

Nosso encontro aconteceu em julho, na FLEITEC, 2ª Feira da Leitura e das Tecnologias, onde falei sobre essa pesquisa (?) brincadeira (?) investigação (?),  céus, que nome dou a essa curiosidade digital, que originou os CD-ROMs de narração de histórias nesse meio? O certo é que o resultado é mais do que uma mídia de histórias. É um software que apresenta múltiplas possibilidades para o professor trabalhar  a inclusão digital.

E, nesses eventos a gente amplia os casos, conhece pessoas, ouve histórias. Foi assim durante a viagem de ida, numa interminável espera pela liberação da rodovia, fechada por conta de um acidente. Mas, eu estava bem acompanhada e distraída pelas brincadeiras e bons  humores dos meus companheiros, os meninos da Secretaria da Educação, Luiz e Ricardo e a doce contadora Felícia. 

Com a cidade, o caso de amor ainda está se construindo. Marcamos um segundo encontro, na inauguração da tirolesa. Serei a segunda a descer. Ai terá se estabelecido outro caso de amor! 

12 de ago. de 2011

A narração oral como performance comunicacional

Contar histórias é uma arte rara, pois sua matéria prima é o imaterial, e o contador de histórias um artista que tece os fios invisíveis desta teia que é o contar. Ele é como um mágico, que faz aparecer o inexistente e nos convence que aquilo existe. Cria imagens no ar, materializa o verbo e transforma-se ele próprio nesta matéria fluida que é a palavra. Empresta seu corpo, sua voz e seus afetos ao texto que ele narra, e o texto deixa de ser signo para se tornar significado. Nos faz sonhar, porque consegue parar o tempo, nos apresentando um outro tempo. 
Considerando os mais recentes estudos sobre oralidade, é consensual que a narração oral seja vista como representante de gêneros dramáticos contemporâneos. Ela vem marcada por atributos éticos e estéticos. Adquire um papel transgressor, crítico e político ao dar voz às minorias, recuperando a cidadania. Em alguns casos, o contador apropria-se da narração com o objetivo de despertar o riso, por meio do cômico que escorre das histórias apropriadamente escolhidas para esse fim; assume, dessa forma, uma objeção contra as forças opressoras.
A narração oral é política e transgressora quando agrega os ouvintes, seja na rua, na praça, e subverte o tempo linear, a pressa, quebra a resistência em ouvir a voz do outro, rompe as defesas do passante com a graça do contador, liberta o sujeito das normas e oferece indagações, questionamentos, alegria, riso, descontração, aproximação, harmonia, fraternidade.
Seus predicados estéticos se manifestam com o domínio do ritmo, a clareza das intenções e a capacidade de dar forma às palavras por meio de um corpo expressivo e expressão dos afetos. Isso lhe confere um espaço de reflexão nas recentes teorias literárias. Pode-se considerar aqui, que o texto transmitido oralmente se insere na categoria de performance, considerando performance, segundo E.Langdon, um ato de comunicação que se distingue de outros atos da fala principalmente por sua função expressiva ou poética. Isso faz da narração oral uma atividade artística, ainda que seja exercida fora dos domínios do palco tradicional. Que nosso palco para a fala bem dita seja o trabalho, a rua, a casa.

Esse texto faz parte do livro A arte de contar histórias no século XXI - tradição e ciberespaço.

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