24 de out. de 2013

Cratinho de açúcar, tijolinho de buriti



     A vida é assim. Simplesmente decifrável. Você sorri,  ela sorri. Você faz cara feia, ela faz outra ainda mais. A maioria de nós, artistas, escritores, queremos transformar o mundo com a nossa arte, mas esquecemos de que a primeira coisa a ser feita é, antes de tudo, nos transformar. Repetimos velhos padrões e mantemos posturas ultrapassadas, como a cultura de falar mal, ser do contra, seja de quem ou do que for. Nessa dinâmica falamos mal de nós mesmos. Ainda assim queremos fazer a diferença.
    Existem muitos índices e pesquisas para comprovar como lemos mal, como lemos pouco, como somos toscos e inacabados, como falta... falta... falta... falta... falta... educação, cultura, pão, arte... etc etc etc.
    Existem poucos índices e pesquisas para mostrar quanto projeto ainda que sem expressão nacional, sem repercussão na mídia, sem voz nas feiras e bienais de livros, se faz pelo Brasil adentro, e que muda, efetivamente, àqueles que participam dele. Quanta criança lê mais e melhor, porque tem ao seu lado uma professora, uma mediadora de leitura, uma contadora de história, ainda que sem técnica e reflexão, mas que introduz as crianças na subjetividade transdiciplinar do texto literário.
    Mantemos um discurso construído por posturas e olhares lançados de cima para baixo, com fazem os deuses do conto budista, que ao ver um papagaio tentando apagar o incêndio que consome uma floresta, com poucas gotas de água trazidas nas suas penas, de um rio distante, riem da tola e ingênua ave, enquanto descansam nos seus palácios de marfim, saboreando néctar e ambrosia.
  Frequentamos grandes eventos literários, aqueles que dão visibilidade na mídia, e lá repetimos os padrões caducos. Antes que você comece a falar que tenho olhar de Poliana, devo dizer que olhar crítico para o entorno é fundamental, para que a gente se dê conta do que é preciso fazer. Mas é preciso fazer.
     Sair do conforto reflexivo das cátedras e ir para os confins do Brasil, para as Piraporinhas do Passa Quatro, com seus 2 mil, 10 mil ou 30 mil habitantes, e ver o que se faz por lá. Encarar o desafio de hotéis sem estrela, horas de estrada além das horas de voo, para reconhecer estas vozes, que estão atuando numa esfera mínima e insignificante para os índices, mas que fazem a diferença, porque transformam, seja um, dois, dez sujeitos. Lá, o artista é sim, um transformador do seu espaço pessoal e coletivo.
   E, pensando quanticamente, quanto mais se dá atenção para uma informação, mais consistente ela se torna. Ora, então que se alimente o que edifica, o que promove a liberdade, a alegria e o bem-estar das pessoas, e não as carências e as mazelas que são reforçadas, exaustivamente, por formadores de opinião e pela mídia.
     Cratinho de açúcar, tijolinho de buriti. Crato tem cheiro de jasmim. Tem timbaúba no Cariri. Por lá é assim. Eles fazem a diferença. O Sesc faz diferença, as Tinas, Ana Rosas e Magnólias fazem diferença. Crianças atentas, participativas e aquele povo todo reunido para compartilhar saberes e afetos, fazem a diferença. Eles transformam o mundo, ainda que seja o seu pequeno mundo.

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