29 de set. de 2011

Itapiranga e o rio - De caso com a letra I, parte 3

O município de Itapiranga fica no final de Santa Catarina, do ladinho da Argentina, na esquina do Rio Grande do Sul, ao lado do rio Uruguai. O Uruguai não é um rio qualquer. Tem alguma coisa de mítica boiando nele. Às margens do Uruguai, eu contei histórias de outros rios despertando nas pessoas o imaginário da água. Água evoca vida, purificação, regeneração. Os personagens enfeitiçados dos contos de fadas banham-se na água, e recuperam a forma inicial. Rio sugere a imagem da fertilidade e da fluidez. Se deixar levar. Foi uma passagem meteórica abaixo de chuva, mas o suficiente para ser tocada pelo rio e mexida pelas emoções despertadas pela água. Fico imaginando como deve ser estudar numa escola com uma vista como aquela. Falei sobre leituras e leitura literária, e como as histórias podem resignificar nossas vidas. Na plateia, seiscentos educadores que nem piscavam, feito criança sendo levada pela fantasia.
    Antes, eu é que fui seduzida pela apresentação artística dos pequenos. Uma turminha de três anos brincou de encenar a história da Branca de Neve e seus anões. Lá eram anões pra mais de dez. Deixaram-se levar pelo faz de conta, embalados e conduzidos pela narrativa envolvente da professora. Um encanto. São projetos dessa natureza, com profissionais assim comprometidos, que reafirmam que a educação ali vai bem.
O convite que partiu da Coordenação dos Cursos de Licenciatura, da Faculdade de Itapiranga possibilitou a continuação do me caso com a letra I.
 Depois de Itaguaçu e Ibirama, Itapiranga. Sempre que embarco para essas regiões distantes, me sinto uma caixeira das letras, como sugeriu um amigo, quando falei que parecíamos caixeiros-viajantes. Gosto desse movimento. Ainda que o cansaço se manifeste, por conta dos deslocamentos, inúmeras esperas nos aeroportos, trechos por terra, quando concluo o trabalho e acolho os retornos dos participantes, sinto-me recompensada.
Percebo-me útil e cumprindo meu papel social, afinal é isso que deixo para o mundo, é pra isso que estou aqui, pra compartilhar meus saberes, e o que volta pra mim dinamiza minha produção e compreensão de mundo, de vida e das relações. E a roda gira. Outra vez eu vou, doo alegria (e lembro-me das palavras de Bachelard, a imaginação trabalha mais onde vai uma alegria!), recebo amor, produzo novas histórias e me sinto bem.

22 de set. de 2011

O tempo da primavera em nós

Para saudar a primavera tratei as plantas. Cortei os galhos secos. Revirei a terra e acrescentei húmus. Lavei as folhas, retirei a poeira. No inverno não é bom mexer com elas. Preferem ficar quietinhas e recolhidas.  A energia se volta para dentro. Por fora parecem feias e sem vida. Mas lá, no interior escuro, algo se processa. É tempo de preparar um novo galho, que expandirá seu brilho na forma de uma nova folha, flor, fruto. Quando chega a primavera, a natureza sabe que é tempo de vir para fora em toda a sua plenitude, mostrar a beleza que carrega em si, construída lentamente, num processo silencioso e continuo. 
 O mito nos conta, que  a deusa Perséfone, quando jovem, foi raptada por Hades. Deméter, sua mãe e senhora da terra e das colheitas, fez um trato com o deus do mundo subterrâneo. Eles acordam que durante seis meses a jovem ficaria com ele, no mundo de dentro e depois, por outros seis meses, permaneceria na companhia da mãe, no mundo de fora. Quando ela chega à superfície, tudo floresce e madura. Quando ela volta para Hades, a natureza se contrai e se volta para o interior.
Cuidar do jardim metaforiza o ato me cuidar, para fazer a primavera acontecer em  mim. No meu inverno, tempo de recolhimento, calada eu gero, o que potencialmente já existe. Quando a primavera se aproxima, eu também devo limpar minhas sujeiras que impedem o livre respirar, cortar o galho que não tem mais seiva, me adubar com terra boa e nutrientes, renovar a consciência dos ciclos da natureza. Tudo nasce, cresce e morre. Até um pensamento, uma forma de se olhar.
Primavera é tempo de se florir, deixar surgir novas ideias, novas formas de se lidar com as coisas, de desapegar e permitir que o belo que nos habita se espalhe na superfície. Tempo de se maravilhar com a vida, que explode em cores e perfumes, se deixar tocar pelo sonho que origina o movimento para o novo. É tempo de ver as coisas com os olhos da alma, e se assombrar com o que poderá se enxergar.

12 de set. de 2011

Brincando nas cabeleiras de Naipi

narrando Naipi e Tarobá
Quando fui convidada a participar e contar histórias no Salão Internacional do Livro de Foz do Iguaçu logo pensei, vou narrar as histórias do Paiquerê, vou levar para o público de Foz, minha leitura dos seus Naipi e Tarobá. Esses personagens estão vivos no imaginário daquela comunidade. Naipi vive ali perto, nas águas do Salto União, ao lado do seu amado Tarobá. Bastam alguns quilômetros para chegar a sua casa e ouvir seu lamento.
autografando O Fio da História
Foz do Iguaçu vive sob uma multiplicidade de signos. Tríplice fronteira, turismo internacional, tráfico, violência, Itaipu, natureza exuberante, projetos ousados  nas diversas áreas. Simultaneamente, convive com uma mitologia rica legada por tantos povos que passaram e passam por lá. Guaranis, Kaingangs, hispânicos, orientais, europeus, africanos, asiáticos, gente dos quatro cantos do Brasil. Ali se respira o transdisciplinar, transcultural, transreligioso.

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E isso a gente vê e sente na atitude das pessoas. Só quem convive com essa multiplicidade de estímulos sensoriais, afetivos, cognitivos e simbólicos consegue estar e ficar atento, numa plateia heterogênea e com interesses tão distintos. Li e contei histórias em sessões que tinham entre 100 e 200 pessoas.

acolhida calorosa da Claudia
 Participaram, ao mesmo tempo, alunos da Educação Infantil, Ensino Médio, e alunos com necessidades especiais. Para mim um desafio, sem dúvida. Não pensei muito, nem mesmo questionei se poderia não dar certo. Eles já estavam ali, agora era envolvê-los através do imaginário que eu havia me proposto. Deu certo.
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E ainda fui agraciada com uma trilha sonora ao vivo, que não estava no programa. Vi crianças exercendo a sociabilidade com livros na mão. Crianças lendo, mergulhadas no seu mundo interno. Crianças trocando informação sobre o livro. Crianças praticando os afetos a partir das histórias. Assim foi a minha passagem por Foz do Iguaçu. Embalada pelo carinho e atenção de todos os envolvidos no Salão do Livro, onde funções e cargos se diluíram e revelaram a humanidade dos seus sujeitos. 

com a lindura da Joane
A gentileza e a delicadeza constroem a paz.
 Fotos de Tonico Lopes



7 de set. de 2011

Oficina Cultural Oswald de Andrade, dois momentos

São Paulo, setembro de 2011
Cléo Busatto, escritora e pesquisadora transdisciplinar investiga os caminhos da narração oral 
no meio digital. Fala sobre a arte de contar histórias no século XXI e coloca os monstrinhos na sacola para dar vida à narração multimídia Formosos Monstros.
São Paulo, outubro de 1986
Cléo Busatto, atriz e não menos transdisciplinar, se atira contra a parede da Oswald, 
na época chamada de Oficina Cultural Três Rios, ao interpretar a Mulher Inferior e a
Dama da Parede, na obra de Flávio de Carvalho, O Bailado do Deus Morto, dirigida por Livio Tragtenberg, com pinceladas de Lali Krotozynski e Carlos Augusto de Carvalho.
A gente não sabe dos caminhos por onde a vida vai nos levar, mas intui que devem ser 
trilhados com coragem e paixão. E foi assim que aconteceu.

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