27 de dez. de 2011

O livro que fechou o ano

Noites do canto e do conto - os mais belos causos e contos do povo itaguaçuense.

Quando fui convidada para a Feira Literária e para a Semana de Formação dos Educadores, eu fui espiar Itaguaçu na rede. Logo que abri o site, duas imagens atraíram meu olhar. Seu entorno e um grupo de senhores tocadores. Ao lado estava escrito, Noite de Contos de Santo Antonio. Logo meu santo de coração. Naquele momento pensei, que gostaria de ter vivido com eles aqueles instantes de magia. Sou uma mulher que respira a oralidade, pensa a oralidade e oraliza seus afetos. Que presente seria estar presente. E não é que a magia se realizou? Sou convidada pela Secretária de Educação, Cultura, Esporte e Turismo, Sonia, uma mulher com jeito de fada-madrinha, para organizar esse livro, e apresentar Itaguaçu aos itaguaçuenses. Veja só, que responsabilidade. Organizar as histórias que soaram nas noites dos cantos e encantos.
É mesmo um orgulho para Itaguaçu e seus moradores saber que suas histórias fizeram diferença no panorama cultural do Brasil. Os relatos registrados na Noite do Canto e do Conto, antes de ser uma manifestação regional e particular, revelam a alma do povo brasileiro. São histórias de amor, coragem, conquista, susto, esperança, ousadia, confiança na vida e no ser humano. Registrar a história através da voz dos sujeitos que a constroem é um caminho seguro para uma cultura de paz.
O projeto Noite do Canto e do Conto foi classificado em 3º lugar, na Categoria Gestor Público, da 3ª edição do Prêmio Cultura Viva, do Ministério da Cultura, destinado a estimular e dar visibilidade às iniciativas desenvolvidas no âmbito da articulação entre cultura e comunicação. Uma das histórias

por Florizete Luzia Gabler Thomazini
Moradora do Laranjal, lavradora, nascida 21/08/1965.

O meu bisavô Francisco Dalprá, é natural da Itália. Ele veio de lá com treze anos. Era uma criança muito levada. Após seis meses embarcado num navio, chegou à Vitória. De lá, seguiu para Santa Teresa. Nesse dia aconteceria o batizado de Ida. No caminho para a igreja, Francisco segurou a criança no colo. O pequeno bebê fez xixi em Francisco. Neste instante, o garoto retirou do bolso um lenço e enxugou o bebê dizendo que aquela criança seria a sua esposa. Passaram-se treze anos e a fala se concretizou. Ida casou-se com Francisco. Na época ele estava com vinte e seis anos. Desta união, muitos filhos nasceram e somente a morte os separou.

22 de dez. de 2011

O Menino e sua Luz


Domingo, 18. Animada com o sol que apareceu por aqui fui andar. Ainda não havia escrito o boletim de dezembro, e a Carla perguntando, não vai enviar? Cheguei mesmo a pensar que não enviaria. Eu me via com pouco tempo pra pensar nele. Tempo de fora e tempo de dentro. Mas logo esse? E as pessoas que gostam do que escrevo? Eu não lhes deixaria meu presente? Não lhes desejaria feliz Natal?
Confesso que o apelo comercial de final de ano me desagrada. Esse tal de compra compra compra ... corre corre corre ... me tira do eixo. Esforço-me pra manter a harmonia, pois as energias do entorno tentam demover-me do centro, pra colocar-me no movimento periférico do coletivo. É um momento de fragilidade, muito por que aniversario no início do ano. Digo que estou fechada pra balanço. Ainda assim me misturei e tudo estava turvo.
Hoje o sol mostrou o caminho. Pedi luz e minha alma acendeu-se, tocada pela estrela de Belém, e ela disse, fale sobre o nascimento do Menino e seu significado. Quando jovem fiz uma escolha, nada fácil, mas a verdadeira naquele instante da minha vida. Abdiquei de ser mãe. Mesmo que a sociedade me cobrasse pela maternidade, como se só ela validasse a condição do meu feminino, mantive-me fiel ao meu espírito, com a sapiência, ainda que frágil, que eu poderia exercer a amorosidade e o acolhimento, qualidades do maternal, em diversas situações, embora não fosse gerando um filho no meu ventre. E foram vários nascimentos.
E agora, que o Menino está pra chegar, Ele me lembra de que nasceu em mim muitas vezes, e nasce sempre que crio uma história e a ofereço pros tantos meninos espalhados pela terra. Nasce, cada vez que um deles sorri e me abraça. Quando comungo com os mistérios de todos os nascimentos, seja de uma flor, seja de uma criança. E a cada ano, nessa data, Ele renasce ao me lembrar de que o amor é o caminho que me leva pra casa e que a Luz sempre retorna.

1 de dez. de 2011

Ecos da obra


Certa vez ouvi um leitor perguntar a um escritor, quando ele se deu conta de que era de fato escritor. O cara riu, pensou e disse, que apesar de já ter publicado vários livros, a constatação veio no dia que foi contemplado com um reconhecido prêmio. Naquele momento me questionei, e eu, quando me descobri escritora? Respondi a mim mesma que foi no instante que peguei na mão, o primeiro exemplar do meu primeiro livro, Dorminhoco, sentada no degrau da portaria do prédio onde morava, ansiosa que estava por abrir o pacote que acabara de chegar pelo correio. Olhei pro Dorminhoco e disse, sou uma escritora.
Recentemente revi essa afirmação. Nessas andanças de caixeira-literária tenho me encontrado com os leitores em eventos de escolas, feiras, salões, e em cada um, uma boa surpresa ao sentir o eco da minha produção. Muitos (geralmente crianças e jovens leitores) traduzem os livros através de atividades na área das artes plásticas, alguns com resultados surpreendentes. Dia desses uma turma apresentou A história da dona Cotinha, Tom e Gato Joca, numa versão cinematográfica artesanal. Eu me tornei mais criança que eles e pulava de alegria.
Porém, perceber como O florista e a gata entusiasmou um dos grupos, a ponto de eles pensarem sua realidade pelo viés da arte, me levou às lágrimas. Nesse instante, eu resignifiquei minha prática e me senti uma autora de fato, pois o livro se tornou obra, coisa viva e pulsante, sujeito com alma, um “fazedor de vínculos”. Ele não só foi aberto e lido, como chegou ao universo do leitor e repercutiu na sua vida sugerindo novas formas de olhar, indagações, deduções. Ainda que, teoricamente eu soubesse dos efeitos da literatura na vida das pessoas, por conta da leitura dos tantos textos críticos que nos mostram as ligações afetivas e as transformações que ela sugere, talvez, nunca antes isso tivesse feito tanto sentido.
Naquele instante, percebi as crianças realizando uma operação complexa, holística, que unia os conceitos, às vivências e percepções. Ao dar corpo aos seus sentimentos, por meio das relações significativas estabelecidas com a  leitura do livro, elas chegaram, ainda que sem saber, a importância da dimensão da estética nas suas vidas. Lindo. Eu agradeci e chorei.   

24 de nov. de 2011

Contando Histórias...em Dourados

23/11/2011 13h00


Contando Histórias...
Cléo Busatto traz a Dourados a magia da arte de contar histórias e encantar todos os públicos

Do Progresso

Conduzir o público pelos caminhos do encantamento, dos sonhos,de uma viagem a qualquer lugar sem sair de lugar algum... Assim é o cotidiano da escritora e contadora de histórias Cléo Busatto, que está em Dourados para participar da programação dos 40 anos do curso de Letras da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Ontem ela esteve na abertura do evento proferindo a palestra “A Leitura Literária – promoção e formação de mediadores”.

Escritora e contadora de histórias Cléo Busatto
(Foto: Divulgação)

Hoje e amanhã, nos períodos matutino e vespertino, Cléo vai ministrar na Faculdade de Comunicação de Artes e Letras (Facale), unidade II da UFGD, o minicurso “Contar e Encantar: A Arte de Contar e Ouvir Histórias”. As inscrições já estão encerradas. O objetivo é propor uma reflexão sobre os caminhos da arte de contar histórias, a partir da ideia de que alguns contos são educativos, pois ao abordar uma realidade simbólica atuam sob diferentes dimensões e fornecem múltiplas leituras e compreensão.
Na sexta-feira, Cléo fará a partir das 19h30, com entrada franca, no anfiteatro da unidade II, a palestra “Contar e Encantar - Pequenos Segredos da Narrativa”. Este também é o título de um dos seus quatro livros que abordam o tema narração oral e oralidade.
No próximo sábado, ás 8h, Cléo Busatto estará oferecendo uma oficina de Contação de Histórias, no Cine auditório da UFGD, unidade I. As inscrições são gratuitas e podem ser realizadas na Coordenadoria de Cultura da Universidade e na Secretaria Municipal de Educação de Dourados (Semed).
Estão sendo oferecidas 10 vagas para a comunidade e 20 vagas para professores da Rede Municipal. A oficina terá duração de oito horas. É uma promoção do Ponto de Cultura Todas as Idades/Instituto para o Desenvolvimento da Arte e da Cultura (Idac), em parceria com a UFGD e Semed. Informações podem ser obtidas na Coordenadoria, rua João Rosa Gões, 1761, Vila Progresso, telefone (67) 3410-2877.
Emoções
Cléo Busatto é escritora e contadora de histórias. Mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora transdisciplinar formada pelo Cetrans. Como mediadora em projetos sobre oralidade, capacitou cerca de 50.000 pessoas e suas histórias já foram ouvidas por mais de 75.000. É autora de 19 obras, entre livros e CD-Roms.
Em 2002, publicou seu primeiro livro infantil “Dorminhoco”; “Contos e Encantos dos 4 Cantos do Mundo” (2003); “Coleção Criança Segura, 3 Volumes (2004); “Pedro e o Cruzeiro do Sul (2006); “Paiquerê, o Paraíso dos Kaingang (2009); “O Florista e a Gata” (2010); “Histórias de Quem Conta Histórias” (2010). Suas obras fazem parte de programas de leitura e catálogos internacionais, como o Bologna Children’s Book Fair.
Tem quatro obras técnicas sobre o tema: “Contar e Encantar – Pequenos Segredos da Narrativa” (2003); “A Arte de Contar Histórias no Século XXI – Tradição e Ciberespaço” (2006); “Práticas de Oralidade na Sala de Aula” (2010) e “O Fio da História (2011). Produziu quatro CD-Roms: “Contos e Encantos dos 4 Cantos do Mundo” (2001); “Lendas Brasileiras (2005); “Nos Campos do Paiquerê (2006) e “Formosos Monstros” (2010).
Cléo trabalha em suas oficinas e minicursos, três eixos que considera fundamentais para que a narrativa envolva o ouvinte: ritmo, intenção e imagens.
“Contar histórias implica em disponibilidade e generosidade por parte do narrador. A narrativa bem conduzida abre a possibilidade do espectador criar sua própria história, a partir dos elementos que lhe são oferecidos. Por isto que é importante se valer de alguns critérios, como a escolha de textos de reconhecido valor literário, que priorizem as imagens, propõem acordos ficcionais e poéticos, ampliem o universo do leitor e possibilitem o contato com seu mundo interior”, argumenta, observando que estudos psicológicos comprovam que o ato das mães contarem histórias desde a gestação passando pela tenra idade, estabelece vínculos para que o crescimento seja saudável na formação educacional, psíquica e cidadã do indivíduo.

19 de nov. de 2011

Palmas do Tocantins



Palmas, coração do Brasil. Cerrado virando floresta. É quente. Torra os miolos, amolece o juízo. É Norte. Dimensiona nossa pequenez. 
Negra índia mameluco. Tem sabor de fruta ardida, pequi. É ampla. Tem a imensidão do universo contida numa corriqueira flor amarela. Ela faz diferença.
Aqui o II Festival de Causos e Poesia Declamada, promovido pelo SESC Palmas. Na semi-final, cinco representantes de cada categoria concorrem no dia 19 a etapa final. Eu estarei no juri para selecionar os vencedores. Uia! Que responsabilidade.
Logo eu que treino meu olhar para ver o que cada um carrega de mais precioso. Afinal, somos todos portadores de beleza. 

Agostinho Seringueiro, finalista na categoria Poema.

14 de nov. de 2011

Titicaca, um mestre


O Titicaca encanta e desconcerta. Viver sobre um chão de totora trançada sob um lago de 200 metros de profundidade não é pra qualquer espírito. É preciso desapego e amor pelas águas e por Mamma Kotta, a mamma del lago, a divindade que os protege, naquela imensidão de água doce. Os povos do lago sabem disso.
- Nossos avós já sabiam que há muitos mistérios em Uros e que não se pode viver ali. Por isso agradecemos a Mamma Kotta, pedimos proteção e permissão para viver nela. Temos muito respeito por Mamma Kotta.

Assim fala Rita, uma moça linda de olhos negros e brilhantes, sorriso aberto e com muitas histórias pra contar, tal como seus avós, os contadores de histórias do seu povo. Ela veio a mim como um presente da deusa. Rita é uma das moradoras das ilhas flutuantes de Uros. Na sua comunidade, Chantati, vivem seis famílias. Ela ocupa a função de regidora, a representante das mulheres de Uros.

Rita fala com entusiasmo da sua casa, as plataformas de junco do Titicaca, onde nasceu e pretende ficar. Como está acostumada com o pisar macio da esteira flutuante, andar na terra lhe cansa muito. Contou que numa ocasião foi visitar Taquile, outra ilha do lago, porém de terra e, que após atravessar dois montes já não tinha forças. Estranhou o lugar e tinha necessidade de ver a água de perto e tocar as totoras, o junco que lhes serve de chão, matéria prima da casa e dos barcos que os conduzem a outros sítios, nessa região inóspita e de ar rarefeito, a quase 4.000 metros acima do nível do mar. Saudade de tocar a totora, sua comida e combustível pro fogo.

- O lago nos dá força e energia. Eu não poderia viver na terra. Para mim é uma graça, meus pais terem me dado à luz em meio ao lago. É uma emoção única dormir e despertar com as aves, vendo as estrelas, o céu azul, acordar com o sol.  Para mim é o paraíso.

E as crianças? Elas brincam nesse pedacinho de chão dourado e quando se trata de estudar são iguais às outras crianças do mundo, deixam as tarefas escolares pra última hora e muitas vezes resolvem isso no caminho, ou seja, no barco que as leva até a escola, também no lago. Pequeninas e já enfrentado o Titicaca. Há que se ter coragem para vicejar no Titicaca. 

1 de nov. de 2011

História para reinventar a vida


Uma seleção de contos da literatura oral que falam sobre a possibilidade da gente se reinventar, tornar nossa vida melhor e fazer do mundo um bom lugar pra se viver. Apresentação no dia 3 de novembro, as 9h30 no Festival Literário de São José dos Pinhais e Região Metropolitana, na Praça 8 de janeiro, centro de São José.

31 de out. de 2011

Pequeno livro de poemas para vestir bem






















Na beira do Guajará vive uma morena que escreve versos com tinta branca e tem um sorriso que parece lua cheia. Quando recebo carta dela é uma alegria, por que vem poesia. É quando ela  aumenta o volume da palavra só para fazer ruído térmico no ouvido do leitor.  E leio

Madame Homero.

Dei à ela uma cadeira de balanço,
uma roda de crianças
e um  tabuleiro de Grimm e Perrault...


E ela me deu sua moeda mais valiosa.


Ergueu os braços como se fosse voar,
fez gestos largos como se fosse me abraçar,
e do seu coração embrasado 
fez soprar histórias para ninar e acordar.


E foi assim que ela entrou na minha casa
com sua numerosa família
 e todos os e noites faz nascer em mim
a Mulher-Sol e o Homem-Lua.


Leio, não, saboreio como se faz com fruta suculenta, vinho fino, ambrosia e outras especiarias, cada rima de Pequeno livro de poemas para vestir bem. Poesia assim tem gosto bom. E a palavra-imagem de Giselle Ribeiro escorre para dentro da gente, fácil, macia, ternura só. Deixa ela falar e ativar o sagrado em nós. É pra isso que existe o o poeta.

12 de out. de 2011

Ecos do Passaporte da Leitura



O menino trouxe flores, margaridas e outras, miúdas e lilases, embrulhadas numa folha de caderno, onde se lia, pra Cléo com um beijo. A menina, a gatinha branca. Os dois, entusiasmo e esperança. São os efeitos da literatura na alma da criança. 
Isso aconteceu na 27º Feira do Livro de Caxias do Sul, no 7º Passaporte da Leitura, onde as escolas recebem livros do PPEL - Programa Permanente de Estímulo à Leitura, e olham para a obra do escritor com cuidado e inteligência. Um dos livros selecionados foi O Florista e a Gata

Os maiores aproveitaram para refletir o trabalho infantil e concluíram, "criança não trabalha, criança dá trabalho". Se as repercussões da leitura tiveram esses desdobramentos é porque havia um mediador sensível e disponível para olhar a obra com carinho. Obrigada. Para mim, perceber que meu texto proporcionou essa deliciosa aventura, como eles a qualificaram, é o maior presente que posso receber no dia da criança.

29 de set. de 2011

Itapiranga e o rio - De caso com a letra I, parte 3

O município de Itapiranga fica no final de Santa Catarina, do ladinho da Argentina, na esquina do Rio Grande do Sul, ao lado do rio Uruguai. O Uruguai não é um rio qualquer. Tem alguma coisa de mítica boiando nele. Às margens do Uruguai, eu contei histórias de outros rios despertando nas pessoas o imaginário da água. Água evoca vida, purificação, regeneração. Os personagens enfeitiçados dos contos de fadas banham-se na água, e recuperam a forma inicial. Rio sugere a imagem da fertilidade e da fluidez. Se deixar levar. Foi uma passagem meteórica abaixo de chuva, mas o suficiente para ser tocada pelo rio e mexida pelas emoções despertadas pela água. Fico imaginando como deve ser estudar numa escola com uma vista como aquela. Falei sobre leituras e leitura literária, e como as histórias podem resignificar nossas vidas. Na plateia, seiscentos educadores que nem piscavam, feito criança sendo levada pela fantasia.
    Antes, eu é que fui seduzida pela apresentação artística dos pequenos. Uma turminha de três anos brincou de encenar a história da Branca de Neve e seus anões. Lá eram anões pra mais de dez. Deixaram-se levar pelo faz de conta, embalados e conduzidos pela narrativa envolvente da professora. Um encanto. São projetos dessa natureza, com profissionais assim comprometidos, que reafirmam que a educação ali vai bem.
O convite que partiu da Coordenação dos Cursos de Licenciatura, da Faculdade de Itapiranga possibilitou a continuação do me caso com a letra I.
 Depois de Itaguaçu e Ibirama, Itapiranga. Sempre que embarco para essas regiões distantes, me sinto uma caixeira das letras, como sugeriu um amigo, quando falei que parecíamos caixeiros-viajantes. Gosto desse movimento. Ainda que o cansaço se manifeste, por conta dos deslocamentos, inúmeras esperas nos aeroportos, trechos por terra, quando concluo o trabalho e acolho os retornos dos participantes, sinto-me recompensada.
Percebo-me útil e cumprindo meu papel social, afinal é isso que deixo para o mundo, é pra isso que estou aqui, pra compartilhar meus saberes, e o que volta pra mim dinamiza minha produção e compreensão de mundo, de vida e das relações. E a roda gira. Outra vez eu vou, doo alegria (e lembro-me das palavras de Bachelard, a imaginação trabalha mais onde vai uma alegria!), recebo amor, produzo novas histórias e me sinto bem.

22 de set. de 2011

O tempo da primavera em nós

Para saudar a primavera tratei as plantas. Cortei os galhos secos. Revirei a terra e acrescentei húmus. Lavei as folhas, retirei a poeira. No inverno não é bom mexer com elas. Preferem ficar quietinhas e recolhidas.  A energia se volta para dentro. Por fora parecem feias e sem vida. Mas lá, no interior escuro, algo se processa. É tempo de preparar um novo galho, que expandirá seu brilho na forma de uma nova folha, flor, fruto. Quando chega a primavera, a natureza sabe que é tempo de vir para fora em toda a sua plenitude, mostrar a beleza que carrega em si, construída lentamente, num processo silencioso e continuo. 
 O mito nos conta, que  a deusa Perséfone, quando jovem, foi raptada por Hades. Deméter, sua mãe e senhora da terra e das colheitas, fez um trato com o deus do mundo subterrâneo. Eles acordam que durante seis meses a jovem ficaria com ele, no mundo de dentro e depois, por outros seis meses, permaneceria na companhia da mãe, no mundo de fora. Quando ela chega à superfície, tudo floresce e madura. Quando ela volta para Hades, a natureza se contrai e se volta para o interior.
Cuidar do jardim metaforiza o ato me cuidar, para fazer a primavera acontecer em  mim. No meu inverno, tempo de recolhimento, calada eu gero, o que potencialmente já existe. Quando a primavera se aproxima, eu também devo limpar minhas sujeiras que impedem o livre respirar, cortar o galho que não tem mais seiva, me adubar com terra boa e nutrientes, renovar a consciência dos ciclos da natureza. Tudo nasce, cresce e morre. Até um pensamento, uma forma de se olhar.
Primavera é tempo de se florir, deixar surgir novas ideias, novas formas de se lidar com as coisas, de desapegar e permitir que o belo que nos habita se espalhe na superfície. Tempo de se maravilhar com a vida, que explode em cores e perfumes, se deixar tocar pelo sonho que origina o movimento para o novo. É tempo de ver as coisas com os olhos da alma, e se assombrar com o que poderá se enxergar.

12 de set. de 2011

Brincando nas cabeleiras de Naipi

narrando Naipi e Tarobá
Quando fui convidada a participar e contar histórias no Salão Internacional do Livro de Foz do Iguaçu logo pensei, vou narrar as histórias do Paiquerê, vou levar para o público de Foz, minha leitura dos seus Naipi e Tarobá. Esses personagens estão vivos no imaginário daquela comunidade. Naipi vive ali perto, nas águas do Salto União, ao lado do seu amado Tarobá. Bastam alguns quilômetros para chegar a sua casa e ouvir seu lamento.
autografando O Fio da História
Foz do Iguaçu vive sob uma multiplicidade de signos. Tríplice fronteira, turismo internacional, tráfico, violência, Itaipu, natureza exuberante, projetos ousados  nas diversas áreas. Simultaneamente, convive com uma mitologia rica legada por tantos povos que passaram e passam por lá. Guaranis, Kaingangs, hispânicos, orientais, europeus, africanos, asiáticos, gente dos quatro cantos do Brasil. Ali se respira o transdisciplinar, transcultural, transreligioso.

.....
E isso a gente vê e sente na atitude das pessoas. Só quem convive com essa multiplicidade de estímulos sensoriais, afetivos, cognitivos e simbólicos consegue estar e ficar atento, numa plateia heterogênea e com interesses tão distintos. Li e contei histórias em sessões que tinham entre 100 e 200 pessoas.

acolhida calorosa da Claudia
 Participaram, ao mesmo tempo, alunos da Educação Infantil, Ensino Médio, e alunos com necessidades especiais. Para mim um desafio, sem dúvida. Não pensei muito, nem mesmo questionei se poderia não dar certo. Eles já estavam ali, agora era envolvê-los através do imaginário que eu havia me proposto. Deu certo.
...
E ainda fui agraciada com uma trilha sonora ao vivo, que não estava no programa. Vi crianças exercendo a sociabilidade com livros na mão. Crianças lendo, mergulhadas no seu mundo interno. Crianças trocando informação sobre o livro. Crianças praticando os afetos a partir das histórias. Assim foi a minha passagem por Foz do Iguaçu. Embalada pelo carinho e atenção de todos os envolvidos no Salão do Livro, onde funções e cargos se diluíram e revelaram a humanidade dos seus sujeitos. 

com a lindura da Joane
A gentileza e a delicadeza constroem a paz.
 Fotos de Tonico Lopes



7 de set. de 2011

Oficina Cultural Oswald de Andrade, dois momentos

São Paulo, setembro de 2011
Cléo Busatto, escritora e pesquisadora transdisciplinar investiga os caminhos da narração oral 
no meio digital. Fala sobre a arte de contar histórias no século XXI e coloca os monstrinhos na sacola para dar vida à narração multimídia Formosos Monstros.
São Paulo, outubro de 1986
Cléo Busatto, atriz e não menos transdisciplinar, se atira contra a parede da Oswald, 
na época chamada de Oficina Cultural Três Rios, ao interpretar a Mulher Inferior e a
Dama da Parede, na obra de Flávio de Carvalho, O Bailado do Deus Morto, dirigida por Livio Tragtenberg, com pinceladas de Lali Krotozynski e Carlos Augusto de Carvalho.
A gente não sabe dos caminhos por onde a vida vai nos levar, mas intui que devem ser 
trilhados com coragem e paixão. E foi assim que aconteceu.

29 de ago. de 2011

A memória e a história, tecendo sensibilidades

Fazia frio em Francisco Beltrão no dia da formação. O grupo dos professores de literatura se esquentava com chimarrão. Essa herança da cultura sulista está presente em várias cidades do interior do Paraná. Em vez de água se toma mate. Pois é, não há frio que resista ao mate... e uma roda de histórias.

 A voz poética despertou a memória. A história de cada um reforça a identidade do sujeito narrador. Dela surgem vestígios de um passado distante, vozes ancestrais que um dia lhe contaram uma história.                                                                      
Talvez o tataravô do tataravô a tenha ouvido e, nesse momento, vestígios genéticos se agitam no íntimo do seu ser, afirmando que aquela cena já foi sua. Logo depois, outra lembrança insiste em se tornar real. Alguém... Pai, mãe, avô, avó, quem? Quem ouviu essa história primeira, deitado na cama após o chá de capim-limão? Não importa, sem dúvida. Quando se acordam essas lembranças e se compartilha com os companheiros de roda, preserva-se não só a própria história, como se fortalece os laços que unem os sujeitos. 
E foi assim, no dia chuvoso e frio. Saímos com a alma aquecida. O bom de lidar com a literatura é que o trabalho sempre tem gosto de diversão e arte.

25 de ago. de 2011

FELIT – 1ª Feira Literária de São Bernardo do Campo



Dia 04 de agosto estive na FELIT, a feira do livro infantil e juvenil de São Bernardo do Campo. Foi a primeira edição de um evento que promete. Em parceria com a FNLIJ, a Prefeitura Municipal e a Secretaria de Educação, investiram na formação literária dos pequenos.  A conscientização de que a leitura literária é um caminho seguro para a formação de sujeitos-cidadãos livres, criativos e criadores, levou o município a fazer um investimento significativo, onde o livro de baixa qualidade não teve vez. Sorte dos pequenos, que saíram de lá com seu exemplar de qualidade.
Existe critério para a escolha do livro literário, sim, e essa escolha é fundamental, quando se pensa em educar para o século XXI. Reafirmar os sentidos para uma existência plena, onde as diferentes dimensões do ser têm espaço garantido, onde as diferentes linguagens são asseguradas, pede a mediação da arte  literária. Ela é uma ponte segura para o acesso a esses níveis refinados de consciência. 
A Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil atua seguindo esses e outros princípios, que valorizam o livro literário, e reasseguram seu espaço no imaginário dos pequenos leitores.  E, ciente disso, organiza feiras que prioriza a inteligência das crianças e dos jovens e a qualidade do que apresenta. Ganha todo mundo. O público, o autor, a editora e as instituições envolvidas. 
Passavam por lá, aproximadamente 4.000 crianças por dia, e eu devo ter falado para umas 600 ou mais. Lindas, atentas e participantes. A gente sabe como é a dinâmica das feiras de livro. Tudo acontece simultaneamente, há barulho e muitos focos para distração, mas nada disso tirou a atenção dos pequeninos. Falei para os alunos da educação infantil. Li trechos dos meus livros, propus brincadeiras com a linguagem, e improvisações sonoras com as onomatopeias sugeridas pelo texto. Eles se divertiram e eu com eles. 
 Esse é um bom caminho para formar leitor, apresentando a literatura no seu suporte mais acessível, o livro. 
Leitor se forma lendo, nessa interação afetiva, entre o sujeito que lê, o sujeito que ouve e o sujeito livro. Quando os pequenos leitores se encontram com um mediador sensível e sensibilizado pelo texto literário, a leitura acontece de forma natural, agradável e envolvente. Quem disse que  criança não gosta de ler? Só quem nunca se encantou com um livro literário.   

19 de ago. de 2011

(De caso com a letra I, parte 2) Ibirama, ligada pelos bits

criança ouvindo história se larga no chão
Os caminhos que nos levam às pessoas e aos lugares são diversos. Nesse tempo de tecnologia digital somos encontrados e conectados por esse meio. As redes aproximam pessoas. Ter um blog ou um site no ar é se mostrar ao mundo. Há vantagens e desvantagens nesse universo. Depende de como nos apropriamos dele. Às vezes nos expõem perigosamente, outras favorece trocas de saberes e afetos.

Com Ibirama foi assim, um encontro virtual, que se iniciou por um email que dizia, Cléo, sou uma leitora e apreciadora do seu trabalho. Alimentado amorosamente através de outros emails, e quando a gente se deu conta, tínhamos encontro marcado. Quase um caso virtual, não fosse a materialização, após inúmeros acordos. E foi um caso de amor a três, eu, Neusa e Rosimeire, coordenadoras da NTE Ibirama, mulheres incansáveis, profissionais dedicadas e competentes. E gracinhas!  Meus casos são sempre bem escolhidos. 

Nosso encontro aconteceu em julho, na FLEITEC, 2ª Feira da Leitura e das Tecnologias, onde falei sobre essa pesquisa (?) brincadeira (?) investigação (?),  céus, que nome dou a essa curiosidade digital, que originou os CD-ROMs de narração de histórias nesse meio? O certo é que o resultado é mais do que uma mídia de histórias. É um software que apresenta múltiplas possibilidades para o professor trabalhar  a inclusão digital.

E, nesses eventos a gente amplia os casos, conhece pessoas, ouve histórias. Foi assim durante a viagem de ida, numa interminável espera pela liberação da rodovia, fechada por conta de um acidente. Mas, eu estava bem acompanhada e distraída pelas brincadeiras e bons  humores dos meus companheiros, os meninos da Secretaria da Educação, Luiz e Ricardo e a doce contadora Felícia. 

Com a cidade, o caso de amor ainda está se construindo. Marcamos um segundo encontro, na inauguração da tirolesa. Serei a segunda a descer. Ai terá se estabelecido outro caso de amor! 

12 de ago. de 2011

A narração oral como performance comunicacional

Contar histórias é uma arte rara, pois sua matéria prima é o imaterial, e o contador de histórias um artista que tece os fios invisíveis desta teia que é o contar. Ele é como um mágico, que faz aparecer o inexistente e nos convence que aquilo existe. Cria imagens no ar, materializa o verbo e transforma-se ele próprio nesta matéria fluida que é a palavra. Empresta seu corpo, sua voz e seus afetos ao texto que ele narra, e o texto deixa de ser signo para se tornar significado. Nos faz sonhar, porque consegue parar o tempo, nos apresentando um outro tempo. 
Considerando os mais recentes estudos sobre oralidade, é consensual que a narração oral seja vista como representante de gêneros dramáticos contemporâneos. Ela vem marcada por atributos éticos e estéticos. Adquire um papel transgressor, crítico e político ao dar voz às minorias, recuperando a cidadania. Em alguns casos, o contador apropria-se da narração com o objetivo de despertar o riso, por meio do cômico que escorre das histórias apropriadamente escolhidas para esse fim; assume, dessa forma, uma objeção contra as forças opressoras.
A narração oral é política e transgressora quando agrega os ouvintes, seja na rua, na praça, e subverte o tempo linear, a pressa, quebra a resistência em ouvir a voz do outro, rompe as defesas do passante com a graça do contador, liberta o sujeito das normas e oferece indagações, questionamentos, alegria, riso, descontração, aproximação, harmonia, fraternidade.
Seus predicados estéticos se manifestam com o domínio do ritmo, a clareza das intenções e a capacidade de dar forma às palavras por meio de um corpo expressivo e expressão dos afetos. Isso lhe confere um espaço de reflexão nas recentes teorias literárias. Pode-se considerar aqui, que o texto transmitido oralmente se insere na categoria de performance, considerando performance, segundo E.Langdon, um ato de comunicação que se distingue de outros atos da fala principalmente por sua função expressiva ou poética. Isso faz da narração oral uma atividade artística, ainda que seja exercida fora dos domínios do palco tradicional. Que nosso palco para a fala bem dita seja o trabalho, a rua, a casa.

Esse texto faz parte do livro A arte de contar histórias no século XXI - tradição e ciberespaço.

29 de jul. de 2011

Impressões

Quem nunca viveu a aventura de estar em montanhas combatendo dragões, ou até mesmo com espadas mágicas, como a do rei Arthur e os seus cavaleiros da távola redonda, em defesa dos fracos e oprimidos? Quem nunca sonhou em ser o herói da sua própria realidade? Quem nunca gostou de ouvir e viajar no labiar das palavras e nas estradas do discurso? É engraçado pensar que as histórias e até mesmo a arte de contar histórias vem se perdendo ao decorrer do tempo, em mundo que vem sendo abraçado pela tecnologia, acabamos por esquecer o gostoso prazer de ouvir e viajar nas veredas da palavra.
 Foram por esses e outros motivos que a revista Impressões fez uma super entrevista com a poetisa, professora, pesquisadora da oralidade e contadora de histórias,  Cléo Busatto:


1. Como surgiu o interesse em estudar a oralidade?
(Cléo): O interesse surgiu quando percebi que eu não precisava mais do que a palavra falada para encantar o outro. Eu fazia teatro como atriz e dirigia peças para crianças. Aos poucos fui me dando conta que eu era uma artista da palavra e precisa de quase nada para chegar às pessoas. Apenas uma palavra bem dita. Comecei a olhar para essa arte antiga e ao mesmo tempo tão contemporânea que é a narração de histórias. Creio que o contador é esse sujeito mágico que tece os fios invisíveis da teia que é o contar. Por aí fui encontrando a minha vocação.


2. Por que escrever para crianças e se situar nesse universo da literatura infantil?
(Cléo): Creio que a pergunta poderia ser porque escrever. Então respondo, escrevo para dar conta do mistério que é a vida, a minha vida. Por meio da escrita eu me leio e me significo e a partir daí me resignifico, me transformo por meio desse olhar para minha interioridade. Já escrever para crianças tem a ver com a identificação com a minha criança. Às vezes vejo o mundo com meus olhos de menina, aí escrevo pras crianças.


3. O que você acha da atual situação da literatura infantil no nosso país?
(Cléo): Boa. Atualmente se escreve muito e com qualidade. Não que tudo que se escreve tem qualidade, mas tem muita gente talentosa produzindo literatura para crianças. Mas  encontramos também muito texto que se diz literário, e que é só um pretexto para normatizar uma situação, ou seja , passar a velha lição de moral. E ainda se escreve bastante com esse olhar. Literatura é outra coisa. Ela rompe as normas, regras e estabelece uma poética muito personalizada, que não tem a ver com um modelo preestabelecido. Literatura sonha uma vida, um sujeito, um olhar. Cria realidades, formas de ver o mundo e a si próprio.


4. Cléo, Sabido que tem forte conhecimento no que diz respeito à crítica literária, como você concilia os conhecimentos teóricos, com a produção de uma literatura voltada para as crianças?
(Cléo): As teorias servem para nos dar base, fundamentos. A gente olha pra elas, as incorpora, concorda, discorda, reconstrói e as esquece. Daí sim dá pra escrever. Se a gente for escrever com a cabeça voltada para a teoria vira texto científico e não poético. E escrever para crianças é fazer um pacto com a fantasia, senão não dá liga.


5. Como boa contadora de histórias, pergunto-lhe, você acha que a arte de contar histórias está se perdendo em meio a velocidade e avanço midiático na pós-modernidade?
(Cléo): Acho que sempre vai haver espaço para uma boa história. Aliás, contar história implica em manter a história viva, a nossa história pessoal, familiar, comunitária. É bom a gente lembrar-se disso. Sentar-se à mesa para comer e contar o que aconteceu consigo é uma maneira de compartilhar afetos. Isso precisa ser mantido. Enquanto as pessoas se lembrarem de si, a história será lembrada.
O risco é ficar com só com a história alheia, com o big brother e se esquecer de que cada um carrega uma história que merece ser contada, ouvida, compartida.
O tempo da pós-modernidade é fragmentado, irregular, preso a dimensão do prático e do racional. Já o tempo da história é mítico, circular, sagrado. Quando se abre para esse tempo, se recupera uma instância da memória que seduz e nos transporta para um espaço onde tudo é possível. Isso é importante para a saúde emocional do sujeito. Sem essa instancia do sonho, o mundo perde o sentido e, consequentemente, a vida perde o sentido. Aí vem a tragédia, a dor. A história pode recuperar a alegria e a paz de viver.


Muito obrigado pela entrevista e espero que continuemos a ver e escutar suas histórias, contando mais vezes com a sua participação aqui no impressões.

Entrevista e texto: Ramon Diego 

http://impressoes.soudegloria.com.br/?p=211

18 de jul. de 2011

O Fio da História - por uma educação pela paz

   Estar com um novo livro em mãos é sempre um prazer e uma grata sensação de ter conseguido materializar uma ideia. A produção literária é uma tarefa curiosa, porque pede um tempo para se construir por si só. Comigo acontece assim, eu vou reunindo as reflexões dentro de mim e depois largo, deixo que elas convivam, umas com as outras. Aí se dá uma produção subjetiva de refinada arquitetura e quando me dou conta, é só puxar o fio da história.
  Agora convido você a conhecê-lo. Com ele proponho novos olhares sobre oralidade e narração de histórias, através de quatro projetos que integram as linguagens oral, plástica, cênica e sonora. O livro é um registro de trabalhos desenvolvidos com a palavra falada, durante minha prática pedagógica.
   O livro é dividido em três capítulos. O primeiro, A memória e a história: fragmentos e encaixes apresenta o projeto Livro da Memória. O segundo, Puri, o sopro criador sugere a Roda da palavra e seus desdobramento. O elemento sensibilizador desse segmento é o mito de origem do povo Wapixana, A árvore de Tamoromu. No terceiro capítulo, A palavra revelada, indico duas atividades: construção do Livro-dobradura inspirado pelo conto, Mulher-Sol, homem-Lua. e Teatro de bonecos, onde oriento a adaptação para roteiro cênico do conto Cobra Norato, a construção e a manipulação dos bonecos.
   O livro apresenta projeto gráfico e ilustrações de Paulinho Maia. A editoração é da Arte & textos e a produção da CLB Produções. O projeto foi realizado com recursos da Lei de Incentivo da Prefeitura Municipal de Curitiba – Fundação Cultural de Curitiba. Contou com o incentivo da Volvo e Clinipam.


O lançamento em Curitiba será no dia 06 de agosto na Bisbilhoteca, Rua Carlos de Carvalho, 1166. Estarei lá para um bate-papo com o leitor às 11hs e 15hs. Espero você.

9 de jul. de 2011

Jardim de Monet

Estive em férias por alguns dias, ainda que  não fosse o período mais apropriado para me ausentar. Preferi mantê-las, porque elas estavam marcadas há meses e também, porque tenho me proposto a fazer acontecer esses intervalos de pausa, mesmo que seja durante períodos tumultuados. Olhar de fora esses momentos é um privilégio.
Decidi visitar o espaço onde Monet morou e criou sua obra. Com um entorno tão favorável a criação devia fluir harmonicamente. Os jardins de Monet são um modelo de diversidade. Tudo se mescla, cores, formas e perfumes. Eles foram construídos, pensados, traçados, mas as flores se misturam tão espontaneamente, que se chega a pensar que nasceram e cresceram sem a intervenção humana. As espécies interagem e se aceitam como são, algumas mais feias, outras mais bonitas. Da mais comum a mais sofisticada, elas mantêm sua personalidade.
Penso nas relações humanas e na dificuldade que temos de aceitar o feio, o torto, aquilo que segundo nossos critérios, não combina com as nossas boas qualidades. Rejeitamos o que não está completo, o que se choca com os padrões de bom comportamento. Aceitamos o que foi convencionado como desejável socialmente e nos inflamos de teorias para justificar e julgar o que não é do nosso agrado.
No jardim de Monet encontro o tom da reflexão. As flores tortas e já despetaladas também têm espaço por lá.

23 de jun. de 2011

Workshop nas férias - Contar e Encantar

Que tal mergulhar na magia da arte de contar histórias?


O próximo workshop que irei ministrar será nos dias 23 de julho - sábado , das 9hs às 18hs e 24 de julho -  domingo, das 9hs às 13hs.


No programa irei abordar
 - a história como sujeito.
- a memória como espaço mítico.
- a técnica como caminho.
- o repertório como meio e
- a narração como um ato de entrega.


A inscrição dá direito ao livro Contar e encantar – pequenos segredos da narrativa, Editora Vozes.

14 de jun. de 2011

Desempacotar as emoções


Quando se está aberto para receber vem um presente atrás do outro. Maio foi o mês de Itaguaçu. Quinze dias na cidade de quinze mil habitantes, plantada no interior do Espírito Santo. Bendito Espírito Santo. O que coloca no meu caminho mil e quinhentas crianças encantadas, pequenas faíscas de luz pipocando em olhos multicoloridos? Quando estamos prontos, as coisas chegam redondinhas, saborosas, feito os quitutes da cidade. Ah, os pães de Itaguaçu... Só mesmo mãos generosas para sovar aquela maciez. E os presentes vêm na forma de fruta, doce, comida, sorrisos e abraços. A gente fica gorda de tanto afeto e o peito expande, quando se toma conhecimento dos significados que a Feira Literária lançou na cidade. Um menino diz que para ele, a feira despertou a beleza com o encantamento das apresentações e o sentimento espiritual. Ora, também fiz parte desse processo, que para essa criança se revelou no Belo e no Mistério e gerou sua fala inspirada, registrada num bilhete escrito a lápis e com letras tortas.

Depois, os presentes vieram do workshop de narração de histórias. Foram tantos. Uma participante diz, ela nos desempacotou. A menina de nove anos conta sua história com estrutura literária, e em seguida chora ao falar da saudade que sente do irmão, que morreu recentemente. Só dá mesmo para acolher e acalentar pela via do poético e do sensível. A história como sujeito. A memória como espaço mítico. A técnica como caminho. O repertório como meio. A narração como um ato de entrega. Foi por aí que a gente andou naquele final de semana friozinho e de céu azul.

Como dimensionar a forma com que nossa arte e expressão chegam até o outro? Como saber o que vamos provocar, quando desempacotamos emoções? Não sei. Sei apenas que é importante estar sempre como um grande coração, silencioso, escancarado, afável e receptivo. Aí não paramos de receber dádivas. E penso na formação do profissional da educação. Nas práticas e teorias, aprisionadas e empobrecidas, porque restritas a dualidade corpo/mente. E penso num processo por onde se pode transitar desse modelo binário de ver e atuar no mundo, para outro, circular e ampliado pelas múltiplas inteligências, pelas múltiplas dimensões, que abarca também o mítico e o sagrado no cotidiano. Dessa forma, dá para gente abrir as mãos e voltá-las para cima e aceitar o que vem do alto, ainda que isso nos provoque alguma dor. Mas só assim nos tornaremos mais inteiros e por fim mais felizes e gratos pelo que a vida nos dá.

9 de jun. de 2011

Histórias para esquecer do frio

 
Num bilhete na cadeira se lê:
Comece fazendo o que é necessário. Depois o que é possível. 
E de repente você estará fazendo o impossível.
Dito por São Francisco de Assis. 
Espaço Paz e Bem.

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28 de mai. de 2011

A arte de cara nova



Eu insisti numa cara nova para o livro A arte de contar histórias no século XXI.  Fui ouvida pela Vozes e o novo livro chegou. Na 3ª edição, ele ganhou um novo ar, mais conectado com o seu conteúdo, mais inspirador. A capa é um elemento importante para um livro; é sua apresentação; é quando ele diz alô para o leitor. Muitas vezes somos atraídos por uma capa. Só depois é que vamos ler as orelhas, folhear, e ler seu conteúdo. Eu gostei do resultado. E você?

16 de mai. de 2011

Entusiasmo e a condição de se manter dócil

Às vezes temos a impressão de estar no olho do furacão. As coisas acontecem vertiginosamente, sem nos dar tempo para elaborá-las. É fácil ser tomado pela cólera, perder o rumo, a cabeça, o humor. Na manhã de embarque para Poços de Caldas, rumo a Flipoços, descobri que estava sem a carteira de documentos, cartões... esses passaportes para o cotidiano. Claro, não embarquei. No primeiro momento veio um ”não acredito, não acredito”. Atenção, Cléo. Respirar, rir e solucionar, dizia a voz pacificadora. E lá vou eu, noutro voo, no final do dia, com mais algumas horas de estrada pela frente, dormir tarde, acordar cedo, cansaço, etc etc etc. Se não fosse a falta de atenção poderia ter feito o mesmo trajeto com mais tranquilidade, dizia a voz crítica e julgadora. Serena, serena, sugeria a voz do bem. E nesse impasse com as vozes internas, cheguei à cidade, até mais cedo do que previ. Cai num sono intenso.


No dia seguinte, a poucos momentos da abertura do evento, me dei conta que estava feliz por estar lá e falar aos professores sobre esse assunto que me encanta: oralidade e leitura literária. Mas, mais feliz ainda eu estava, por ter vivido os imprevistos do dia anterior com calma e por ter mantido a doçura comigo mesma. Naquele momento eu estava bem e alegre e era esse ânimo, essa energia que permearia minha fala. Assim foi. Deslizou.

Mais tarde, andando de volta ao hotel, cruzei com um professor que estava na palestra. Ele veio me cumprimentar e observou que meu entusiasmo foi contagiante. Sim, eu disse, acho importante estar neste estado de exaltação do espírito, por que isso implica em manter vivo o sopro criador, que nos faz cúmplices e participantes da vida. Entusiasmo é a força que me inspira, anima e me propulsiona a criar com amor. Isso quer dizer carregar Deus dentro de mim. Não dá para negar a dimensão do sagrado, nem mesmo numa fala científica. Creio que essa realidade deve ser vivida no dia-a-dia, não apenas nos templos. Sem ela a vida se torna árida e sem sentido.

Reafirmo em cada encontro literário, em cada discurso sobre os efeitos e afetos da leitura literária, a urgência em recuperar as dimensões não passíveis de experimentação, mas tão reais quanto distinguir um copo de água de um copo de vinho. Pneuma e psyché devem voltar a andar juntas com soma. Esse é o desafio da educação na contemporaneidade, integrar o que foi fragmentado e humanizar o ato de educar. Entusiasmar meus comparsas, esse é o tom.


Dias 4 e 5 de junho, workshop Contar e Encantar, em Curitiba.

9 de mai. de 2011

Flipoços 2011

O 1º Encontro da Educação, evento que aconteceu na VI Feira Nacional do Livro de Poços de Caldas, gerou algumas reflexões compartilhadas no Boletim de Maio. A grande alegria foi encontrar a Tatiana Belinky, homenageada da feira, estampada por todos os cantos.
Tatiana impulsionou minha carreira literária. No final dos anos 90 levei à sua casa um roteiro de peça para criança. Ela leu e proferiu, isso é um conto para crianças. Está praticamente pronto. Porque não pensa em publicar?
Levei a sério e anos mais tarde publicaria meu primeiro livro para crianças, Dorminhoco, que dedico a ela. Também levei a sério, quando ela disse que as historias são um treino par as emoções. Essa frase ficou ecoando dentro de mim e hoje, silenciosamente, agradeço Tatiana, porque cada vez que eu vou falar para um grupo de pessoas, sobre literatura, histórias escritas e narradas, ela surge na minha frente, com seu ar de pisciana dócil e sonhadora.
Tatiana faz parte desse pequeno universo de grandes pessoas que mudam a vida das outras. Ela mudou a  minha, quando validou minha escritura e minha imaginação. Agora sou eu quem está aí, com essa tarefa de ler o outro e dizer, siga em frente. 
Semana que vem estarei em Itaguaçu, nas montanhas do Espírito Santo. Todos os dias recebo dezenas de emails dos alunos, dizendo-se ansiosos pela minha presença. Que estão lendo meus livros, que gostam do que leem e que desejam que eu seja feliz na sua cidade. Eu serei, meus queridos. Com tanto carinho junto, como não seria? 
A passagem por Poços foi rápida mais intensa. Os afetos que as pessoas lançam não se desfazem mais. Ao contrário, se materializam e deixam marcas no corpo, nos sentidos, no coração e no espírito. Poços de Caldas, eu volto para lá.

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