Escritora e mediadora de leitura aprofunda o enredo do seu novo livro e comenta o desafio de relacionar literatura infantil e questões sociais
Quatro histórias de amor para pequenos leitores chega com lições significativas sobre pobreza, fome, abandono e nomadismo para o público infantojuvenil. O lançamento da escritora e mediadora de leitura Cléo Busatto inova também na estrutura literária, com quatro narrativas aparentemente independentes em formato de prosa poética, que se interligam no decorrer da narrativa.Nas belas páginas da obra, ilustradas pelo premiado ilustrador carioca Mateus Rios, o jovem leitor irá conviver com a ternura, a delicadeza, e a força dos afetos, de humanos e também de animais. Em uma entrevista inédita, a autora Cléo Busatto revela, entre outros detalhes, que o livro ficou adormecido por 15 anos.
A publicação foi viabilizada por meio do Programa de Apoio e Incentivo à Cultura da Fundação Cultural e Prefeitura Municipal de Curitiba, da Celepar e da empresa Serra Verde. E contempla 50 intervenções artístico-literárias virtuais em escolas públicas da capital paraense. Ações lúdicas que visam proporcionar momentos de sensibilidade e prazer com a leitura, canto e jogos.
Cléo, no lançamento você toca em situações como a fome, pobreza e abandono. Como o livro se aproxima destes temas?
Essas situações são temas universais presentes na literatura de todos os tempos e, infelizmente, mais atuais do que nunca. As pessoas continuam pobres e abandonadas, porém o abandono de hoje difere do abandono de 2006, quando o livro foi escrito.
Naquela época existiam grupos que se deslocavam para outros lugares em busca de uma vida melhor, mas não na perspectiva que vemos hoje, como os refugiados, que abandonam suas casas por conta de guerras ou pelas condições econômicas de onde vivem.
Apesar de ter sido escrito há 15 anos, o livro apresenta o espírito do nosso tempo, pois nunca houve tantas crianças abandonadas no mundo, seja porque os pais morreram durante a viagem ou por serem deixadas nas fronteiras na esperança ,que alguém olhe por elas e lhes dê uma vida mais digna.
Crianças sem uma casa, um lar, é uma situação cada vez mais real e comum em um país como o Brasil. O livro tem o papel de retratar uma realidade?
O livro foi escrito para encantar e sensibilizar o leitor, como é o papel da literatura. Quando eu escrevo não tenho a intenção de fazer uma denúncia. Este papel é do jornalismo. A minha intenção é que o leitor se envolva com a minha escrita, que ela seja uma música para seu ouvido e um bálsamo para o seu coração. Porém, é inevitável que apareçam temáticas fortes, como abandono, morte e fome, porque elas fazem parte da vida e meus livros falam da vida, da complexidade da alma humana e de temas que são universais.
Você apresenta ludicamente a música como uma das formas de afugentar essa fome, frio... é uma maneira de apresentar a cultura (seja a literatura, música, arte) como um acalento para as dores externas e internas?
De uma certa forma, sim. A arte tem o poder de nos acolher, de promover encontros, de afugentar o medo e nos acalmar diante de um mundo sombrio. A arte nos prepara para a vida e se apresenta como um caminho para um dia-a-dia sob um ponto de vista mais colorido e otimista.
Não é uma fuga da realidade, mas uma nova perspectiva. Através da arte literária, por exemplo, podemos descobrir novas formas de ver o mundo e, talvez, até de experimentar algumas delas e decidir qual é a melhor para nós. No livro, os personagens, apesar da sua condição, são felizes e compartilham o pouco que tem.
Como surgiu a inspiração para criar este livro?
Não sei ao certo o que me inspirou a escrevê-lo. Recentemente eu disse que deve ter sido uma fantasia que me acompanhou por um tempo durante a minha adolescência: a de ser uma andarilha algum sem ou talvez algum sentimento de abandono que carreguei.
O nomadismo é um tema recorrente na minha obra e a falta de casa, mais especificamente de um lar - porque muitas vezes existe uma casa, mas ela não representa um lar - me sensibiliza.
Em “Quatro histórias de amor para pequenos leitores”, apesar de os personagens não terem casa, eles conseguem se encontrar, criam uma confraria com laços de profunda fraternidade e amizade. O livro apresenta a diversidade das formas de amar: as pessoas, a natureza, a vida.
Qual é a principal mensagem que a obra traz aos leitores?
Talvez seja que a amizade, a compaixão e a empatia são sentimentos imprescindíveis para viver. De que o amor, na sua forma mais elevada, é o que salva o mundo.
Algum personagem do livro foi inspirado em sua vivência?
Não. Eu acredito que a obra ficcional sempre tem um fragmento da vida real, mas nunca é a vida real e, sim, a vida recriada poeticamente.
Quais são os desafios de ser escritor (a) no Brasil?
Todos. O Brasil é um país onde não se dá valor à literatura, talvez porque se desconheça os efeitos dela na nossa vida. Ela amplia a nossa consciência ética e estética e isso não é pouca coisa nos dias atuais, onde vivemos um retrocesso cultural e ético. A literatura nos torna mais humanos, amorosos, criativos, nos transforma em gente do bem.
Logo, se vivemos em um país que não consome literatura, fica difícil viver desta profissão. O escritor é um ideólogo. Ele crê nos poderes ocultos entre as linhas de um texto literário.
Os desafios são muitos, mas se um leitor me disser que um livro meu o fez parar e pensar na sua vida, se o levou a questionar alguma coisa que possa tê-lo transformado num ser melhor, já posso dizer que valeu a pena.
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