Acabei de ler Desonra, de J.M.Coetzee. Li
compulsivamente durante a última viagem. O autor construiu uma narrativa fluída,
envolvente e os personagens são complexos, têm alma. Coetzee ganhou Nobel de
literatura em 2003. Li no caminho que levava ao aeroporto; li na sala de espera
me desviando dos lugares onde havia passageiros ruidosos; li durante o voo e li
sob um calor infernal, digno do cenário do livro, no interminável trajeto até a
minha casa. Hoje, após o café da manhã acabei o livro esperando que ele
apontasse alguma mudança no curso da vida dos personagens.
O título original é Disgrace, mas para mim Desonra poderia se chamar Desolação, palavra
que inclui o significado de desgraça, mas também carrega o sentido de solidão,
abandono, infortúnio. Enquanto lia me dava conta que estava sendo tomada por
uma sensação desagradável e subitamente, meu estado de espírito leve e alegre
se tornou sombrio e angustiado. Não entendia o que se passava comigo, afinal,
tinha feito uma boa viagem; o trabalho foi uma sucessão de sincronicidades felizes
que o levarão a um bom desfecho. Ainda assim meu coração se comprimia a cada
página que eu virava.
“Deve ser esse calor
abafado e ardido que entra pelo vidro do carro. Estou à meia hora parada nesse
congestionamento”, pensava. No dia seguinte percebi que a alteração do ânimo se
deu por algo externo a mim, por uma ficção que não me pertencia, mas sim, a
David Lurie e sua vida desgraçada, que ele mesmo escolheu e traçou, a cada
frase que pronunciou, a cada princípio que defendeu. À sua filha Lucy e suas
escolhas, sua teimosia em se manter numa terra de homens violentos,
preconceituosos e incultos.
Aí estava a literatura me
arrancando de uma vida segura e confortável para me lançar em algum lugar da
África do Sul, onde impera a violência, ameaça, submissão. Ao me confrontar com
essa realidade sou colocada do lado de fora da minha e passo a vê-la com olhos
críticos. O que eu quero pra mim? Que escolhas fiz e faço pra minha vida? Qual
a minha vontade e como construo essa vontade? Que princípios eu defendo e se
defendo por que o faço? Como honrar o que sou e o que acredito? Faço o que é
melhor pra mim ou aquilo que dizem que devo fazer, ainda que assim aja como os personagens
do livro, que ficaram presos na armadilha da dominação de outros, seja pela
chantagem ou pelo medo?
Esse é um dos efeitos da
literatura, nos mostrar outras vidas para que a gente possa olhar pra nossa e
decidir o que é melhor pra nós.
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