Certa vez ouvi um leitor perguntar a um escritor, quando ele se deu conta de que era de fato escritor. O cara riu, pensou e disse, que apesar de já ter publicado vários livros, a constatação veio no dia que foi contemplado com um reconhecido prêmio. Naquele momento me questionei, e eu, quando me descobri escritora? Respondi a mim mesma que foi no instante que peguei na mão, o primeiro exemplar do meu primeiro livro, Dorminhoco, sentada no degrau da portaria do prédio onde morava, ansiosa que estava por abrir o pacote que acabara de chegar pelo correio. Olhei pro Dorminhoco e disse, sou uma escritora.
Recentemente revi essa afirmação. Nessas andanças de caixeira-literária tenho me encontrado com os leitores em eventos de escolas, feiras, salões, e em cada um, uma boa surpresa ao sentir o eco da minha produção. Muitos (geralmente crianças e jovens leitores) traduzem os livros através de atividades na área das artes plásticas, alguns com resultados surpreendentes. Dia desses uma turma apresentou A história da dona Cotinha, Tom e Gato Joca, numa versão cinematográfica artesanal. Eu me tornei mais criança que eles e pulava de alegria.
Porém, perceber como O florista e a gata entusiasmou um dos grupos, a ponto de eles pensarem sua realidade pelo viés da arte, me levou às lágrimas. Nesse instante, eu resignifiquei minha prática e me senti uma autora de fato, pois o livro se tornou obra, coisa viva e pulsante, sujeito com alma, um “fazedor de vínculos”. Ele não só foi aberto e lido, como chegou ao universo do leitor e repercutiu na sua vida sugerindo novas formas de olhar, indagações, deduções. Ainda que, teoricamente eu soubesse dos efeitos da literatura na vida das pessoas, por conta da leitura dos tantos textos críticos que nos mostram as ligações afetivas e as transformações que ela sugere, talvez, nunca antes isso tivesse feito tanto sentido.
Naquele instante, percebi as crianças realizando uma operação complexa, holística, que unia os conceitos, às vivências e percepções. Ao dar corpo aos seus sentimentos, por meio das relações significativas estabelecidas com a leitura do livro, elas chegaram, ainda que sem saber, a importância da dimensão da estética nas suas vidas. Lindo. Eu agradeci e chorei.
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