Cléo Busatto fala do bullying em "A Fofa do Terceiro Andar"
quarta-feira, 27 de julho de 2016
O Recorte Lírico
vive pela literatura, e é por meio dela que hoje trazemos um tema social como o
bullying. E para nos ajudar a falar sobre este tema, entrevistamos a
queridíssima Cléo Busatto. A escritora, que também é curitibana e veterana na
arte de escrever, com 25 obras publicadas; doze livros de literatura para
crianças e jovens, quatro teóricos sobre oralidade, quatro CD-ROMS para
crianças e cinco participações em antologias. Ela ainda nos contou sobre a
história do seu livro “A Fofa do Terceiro Andar” e da personagem Ana, uma
menina que em meio ao turbilhão de sentimentos descobre o que é a rejeição, não
só dos colegas, mas de si. Um livro infantojuvenil que traz a tona o tema
bullying, fazendo com que seus leitores reflitam sobre seus atos, sentimentos e
ações.
A autora faz
revelações e apresenta pontos de vista incríveis, que você confere agora!
RL - A história
de Ana foi inspirada em alguém? Poderia nos contar como surgiu essa história?
Cléo - Eu não
lembro o que me levou a escrevê-lo. Posso descrever a historinha de todos meus
livros, mas não da Fofa. Dela, lembro apenas que surgiu a imagem do título, A
fofa do terceiro andar. Foi aí que começou. Durante a escritura eu fui revendo
minha adolescente e entendi melhor esta fase onde a coragem, a ousadia e as
dúvidas estão sempre presentes. Eu me aproprio de algumas experiências
pessoais, para construir os personagens. Ofereço a eles as vivências mais
significativas, as descobertas mais importantes, as situações que foram
determinantes para eu ser o que sou. Por outro lado, Ana é única. Ana não sou
eu. Acho que o livro é uma espécie de escrita de iniciação, uma conversa
íntima, e através dela a personagem vai se vendo e lendo o mundo a sua volta,
descortinando-se da ignorância e dos preconceitos.
imagem Cadi Busatto |
RL -
Diferentemente de Ana, Francisco é um rapaz que não se importa com padrões de
beleza e, ao se aproximar de Ana, faz com que ela comece a mudar seu modo de
ver a vida e a si mesma. Duas personagens com perfis distintos; como escolheu
essas características?
Cléo - O romance
pedia um personagem que ajudasse Ana a enxergar aquilo que ela tinha de melhor.
Acho que na vida a gente sempre encontra alguns anjos da guarda que vêm em nosso
auxilio, quando precisamos. Assim surgiu Francisco. Com ele eu reverencio o
masculino sensível e bem centrado, em detrimento de um masculino construído
culturalmente sobre dureza e a indelicadeza.
RL - Sabemos que
o tema "bullying" é de muita seriedade e é bastante discutido
atualmente, já houve até casos de morte de pessoas que sofriam com esse
problema... Infelizmente nem todos têm a força que a Ana teve para superar.
Qual sua visão sobre o tema?
Cléo - Acho uma
lástima e um retrocesso da humanidade, saber que no século XXI, ainda se morre
por intolerância, seja de opiniões, atitudes, crenças ou modo de ser e ver as
coisas. Está mais do que na hora de as pessoas ampliarem a consciência pessoal
e adquirirem a sabedoria que acolhe e aceita as diferenças. A escola é um
espaço onde estas diferenças aparecem e o bullying se manifesta, por isso ela
deve ser criteriosa e lançar um olhar apurado, crítico e livre de preconceitos,
sobre o que oferece aos alunos. Ela tem a tarefa de ampliar a consciência dos seus
educandos, por meio de práticas que integrem as diferentes dimensões do ser
humano. É importante que o projeto educacional contemporâneo preveja a inclusão
do mítico, do simbólico e do sagrado no seu currículo. Para isto existem as
boas histórias. Elas fazem a ponte com
estes níveis de realidade que transcendem as dimensões mais usuais, como a
dimensão dos sentidos e da razão. Quando
A fofa do terceiro andar aponta para outros modos de ver o mundo, desprovidos
da intolerância e do preconceito, ela é formativa e útil aos pais, professores
e alunos.
RL - Se pudesse
dar uma dica ou conselho para os jovens que sofrem bullying e até mesmo para os
pais, o que diria?
Cléo - Conselhos
não servem para nada, se o sujeito não estiver sensibilizado para ouvir. O que
é necessário, tanto na escola, quanto na família, é a conscientização da
importância de um processo continuo de autoconhecimento. Esta prática é que vai
conduzir à formação de pessoas do bem, livres, criativas, tolerantes e
compassivas. Os valores que nos tornam humanos devem ser exercitados, em casa,
na escola e na sociedade.
RL - Mudando um
pouco o assunto, gostaríamos de saber seu ponto de vista sobre a literatura.
Sabemos que os clássicos jamais deixarão de ser clássicos, porém a preferência
dos adolescentes e jovens de hoje é pelas literaturas contemporâneas, como
livros de youtubers, que para a maioria dos teóricos, não apresentam um
conteúdo que agrega tanto. Você acha que os novos escritores, que apresentam um
conteúdo de maior relevância, são prejudicados pela exposição e divulgação
desses livros "modinhas" ou crê que isso não interfere?
Cléo - De mãos
dadas com o preconceito, com a ignorância e com a intolerância vêm à
banalização dos conteúdos ditos culturais, que são massificados pelo acesso fácil
às mídias que a sociedade contemporânea apresenta. Eu não concordo com esse
olhar condescendente que aceita todas as produções culturais, porque grande
parte delas apresenta um conteúdo “deseducante”, burro e preconceituoso. É
preocupante ver crianças e jovens consumindo uma literatura de baixa qualidade,
rasa e muitas vezes nociva. Acho sim, que a boa literatura é prejudicada,
porque não elaboração intelectual do leitor para acessá-la, já que ele só
consegue entender uma linguagem nivelada por baixo. Acho que o Brasil vem
“emburrecendo” a olhos vistos e às vezes sinto que estamos numa vertiginosa
descida rumo ao caos cultural.
RL - A internet
oferece conteúdo cada vez mais rápido e as tecnologias contribuem para isso,
além disso, uma criança tem acesso cada vez mais cedo a essas informações
tecnológicas. Seguindo esta informação, você acredita que as crianças e jovens
estão perdendo o interesse pela literatura e o aprendizado? Comente.
Cléo - Cabe aos
pais e professores educar as crianças, com a consciência de que as novas
tecnologias podem servir de aliadas à educação ou podem prejudica-las, e muito.
RL - Para
finalizar, se pudesse deixar uma dica para os novos escritores, que estão
começando agora suas jornadas, o que diria?
Cléo - Leiam,
leiam e leiam, e sejam fieis àquilo que acreditam.
Da Redação.