24 de jan. de 2011

Conto mínimo - Mulher pássaro

ilustração J.W.Smith


 

O menino lê, "ela banhou-se em mel e salpicou sementes pelo corpo.
Vieram os pássaros e pousaram nos seus ombros, braços, cabelos.
E eram tantos! Bateram asas e ela voou".

15 de jan. de 2011

Construindo minha sorte

Sempre considerei que o novo ano começa, quando a gente aniversaria. Tempo dos fins e dos começos. E isso aconteceu dia 05. Na passagem de 4 para 5, instante de reflexão. Limpei a casa de fora. Limpei a casa de dentro e me preparei para a virada de ciclo. Revi o que aprendi e o que insisti em não enxergar. Um aprendizado de grande valia é saber agradecer. E sou grata ao ano passado, porque ele me proporcionou bons presentes. Lancei livros, CDs, conheci gente linda nos quatro cantos do Brasil e me envolvi no sorriso das crianças. Contei história pra mais de mil. Mergulhei e me embalei na literatura. Recebi os melhores desejos e ouvi declarações infantis, que disseram mais que muita fala de gente grande cheia de saber.

Amei e fui amada. Bebi vinho com amigos e celebrei os 365 dias de surpresas e bem-aventurança. Olhei pra minha alma com mais atenção e carinho. Exerci a delicadeza e a flexibilidade. Revirei e limpei o porão. Curei dores antigas com afeto e chá quente. Soube aceitar a mão estendida, quando titubeei perante a vida. Andei no sol e mergulhei no mar. Senti o frio roçar meu rosto no alto das montanhas. Dancei pras deusas em noite de lua. Meditei. Orei. E ri e ri e ri. Também chorei e soube me acalentar pra acalmar. Olhei pra armadilhas que nos mantêm no estado de desânimo e desalento e disse pra elas que tinha coisa melhor a fazer. Fui corajosa. Olhei de frente pra sombra e tirei de lá coisas lindas, que estavam escondidas, perdidas. Ritualizei e sacralizei meu Eu. Me encontrei e gostei do que vi. Me amei e confirmei que a pessoa mais importante pra mim sou eu mesma e que só dessa forma posso amar o outro, estar com ele e lhe fazer bem.

E nesse 2011, eu prometo lhe oferecer as melhores histórias que eu conceber.

8 de jan. de 2011

Leitor se forma lendo

No Caderno G Ideias, Gazeta do Povo, 8 de janeiro, artistas do Paraná discutem os rumos da cultura no próximo governo. Em tempos de fomento da leitura literária, um entrevistado diz que "é preciso evitar essas bienais de livro, que são caça-níqueis de empresas de fora do estado (...)", etc etc etc.
 
Não concordo com essa declaração. Considero-a xenofóbica e retrógrada. Ora, uma feira de livro serve justamente para o escritor se relacionar com seu leitor, veicular suas ideias, além de divulgar e vender seu livro. Esses espaços são necessários, ainda que venham na roupagem comercial. Não dá para dissociar cultura da dimensão econômica. Ela é apenas uma parte dessa cadeia de promoção do livro e da leitura. Temos mais é que ter uma, duas, dez feiras anuais, que promovam o livro e estimulem a sua circulação.

Essa visão provinciana mantém o livro na categoria de uma produção cultural elitista e privilégio de poucos, invés de vê-lo como um produto ao alcance de todos. Não dá para esquecer que as últimas pesquisas sobre leitura revelam que apenas metade dos brasileiros é leitor, considerando leitor o sujeito que leu ao menos um livro nos últimos três meses.

É importante que o livro – e aqui abro um parêntese para o livro literário – ocupe o imaginário das pessoas e passe a fazer parte do seu cotidiano, como faz a televisão, o rádio, o cinema. A Bienal do Livro do Paraná, em 2010, foi visitada por cerca de 10.000 crianças. Praticamente 90% delas vieram das escolas públicas e posso afirmar que 70% dessas crianças nunca tinha ido a um espaço de livros, seja uma feira ou até mesmo uma livraria.


Com certeza deve-se associar o livro à educação e criar mecanismos para sua fixação na comunidade. A política cultural deve prever ações nas bibliotecas e noutros espaços onde ele se encontra, como bate-papo com autores, círculos de leitura em voz alta (mediada por um adulto, quando se trata do público infantil), rodas de história e associar o livro à outras manifestações artísticas. Como também estabelecer ações que democratizem e facilitem sua aquisição, como o seu barateamento, a instituição de vale-livro. Aliás, o livro deveria fazer parte da cesta básica do brasileiro.

Afinal, só nos tornaremos um país de leitores se tivermos o livro em mãos, para ler. Leitor se forma lendo.

5 de jan. de 2011

Presente de aniversário - antes de tudo a minha boa companhia!

Sábado à tarde. Estou num ônibus. Calor e monotonia. Ele entra. Cabeleira branca e farta. Um livro nas mãos. Diz boa tarde em voz alta, para quem quiser ouvir. Olho de soslaio e respondo baixo, cabeça baixa - boa tarde.

- Não. Você não vai ter uma boa tarde, ele responde. Fico intrigada. O que ele vai me dizer agora? E já imagino um fanático religioso com um discurso pronto. Antes que eu pense em responder, ele me oferece seu desejo - você vai ter uma ótima tarde.

Senta ao meu lado, pergunta meu nome. Respondo. Animado, ele me interroga, olho no olho, só risos. - E o nome dele? questiona com sorriso maroto. De novo imagino uma resposta evangélica. Penso, lá vem um doutrinador de ônibus, que quer que eu responda, Deus!

Na dúvida pergunto - ele quem? - Ora, ele, o seu amor? - Ahhhh! suspiro aliviada - ele ainda não chegou. O homem dos cabelos brancos não se intimida, profetiza - ele chegará, meu amorzinho, chegará. Me diga...

Continua a olhar pra dentro de mim, carinhosamente, se fazendo próximo. - Qual o ser mais importante pra você? Continuo achando que a qualquer momento ele vai sacar a Bíblia e começar a pregação. Resolvo me antecipar e apontando com o dedo para o alto, respondo com a pergunta - o Pai?

Cabelos Brancos me surpreende. - Não, meu amorzinho! Você é que deve ser o ser mais importante pra você. Sabe aqueles dias que a gente está triste? Pegue seus problemas e tranque num cofre e se leve pra passear, ver vitrines. Vá a um bosque e pise na grama. Depois viaje até a Itália, comendo um espaguete all dente, com um copo de vinho.

E continuou afirmando que eu deveria ser a pessoa mais importante pra mim. Eu, ali, pequenina, olhos marejados, desacreditada, vazia. Cabelos Brancos fala de Gandhi, fraternidade, ser, fazer. - Livros fechados são nossos amigos esperando pra conversar conosco, confidencia. E canta para mim, com voz de tenor.

O ônibus segue seu trajeto. Já não é o mesmo.

E nesse meu aniversário reafirmo para mim, oferecendo à você este conto, que a pessoa mais importante para a gente somos nós mesmos.

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