15 de dez. de 2013

A estrela de Belém 2

mandala-estrela construída para a procissão de Corpus Christi
Antonina, PR, 2007
De tempos em tempos me aproprio de algumas palavras-força para me guiarem na caminhada (e percebo temas recorrentes na minha escrita, como caminho e caminhar). As eleitas nesse momento são vontade, amor, sabedoria e atividade. Vontade, enquanto o impulso para criar. Amor, como o alimento da sabedoria. Sabedoria, enquanto entendimento sobre o uso da vontade e atividade, como a ação exercida em todos os planos, com a intenção de empurrar o universo para frente e alterar a minha própria história.
Depois de uma estação sombria onde essas quatro palavras correram o risco de perder sua força, recupero o influxo da energia da vontade, do amor, da sabedoria e da atividade. Vou me reencontrar junto à natureza. Ela continua sendo para mim, a cura. Vou me purificar ouvindo o silêncio, pisando na terra e me banhando nas fontes. Vou arrancar do meu corpo e do meu espírito os venenos que minam a vida, como emoções, pensamentos e relacionamentos tóxicos. Vou fechar os olhos de fora e silenciar a voz da autoridade que vem do externo.
Vou olhar com os olhos de dentro, com gratidão e amor, a caminhada que fiz e reconhecê-la como expressão da sabedoria. Olhar a minha alma com olhos generosos e dizer sim para a vida. Vou celebrar o sim, e repeti-lo com entusiasmo, tantas vezes for preciso para conseguir dizê-lo com a autoridade que vem de dentro. Sim. Sim. Sim. Vou me permitir morrer, me transformar, e aceitar com alegria aquilo que virei a ser. Não discutirei com os ritos do mundo inferior. Reaprenderei sobre o sentido da entrega e farei das palavras de são João da Cruz, as minhas, “se alguém quer estar certo do caminho que percorre, deve cerrar os olhos e caminhar no escuro”.
Voltarei a habitar a casa de dentro onde mora a fé e ouvirei com gosto a melodia harmônica do meu coração. Vou olhar com compaixão para a minha criação e escrever aquilo que minha alma quer expressar. Vou fazer da minha vida um corpo de vontade, amor, sabedoria e atividade. O mundo está em mim. Isso tudo, para mim, é o sentido do Natal e coincide com a virada do meu ciclo pessoal. Seguirei a estrela de Belém que acena para mim no fundo do horizonte escuro, reencontrarei o Menino Deus e renascerei na véspera do dia dos Reis. Até lá, estarei me gestando.

                                      Feliz Natal e obrigada pela companhia durante ano.

1 de dez. de 2013

A estrela de Belém


Era véspera de Natal. Os três andavam pela estrada vazia. O pai, a mãe e a filha. Caminhavam sem rumo, mãos dadas. Não tinham casa, seu lugar era o mundo. Paravam aqui e acolá. Comiam o que lhes ofereciam. Comiam aquilo que a terra lhes dava. Os três andavam esperançosos, olhos no horizonte, atentos para o lar que poderiam encontrar.
O pai punha a menina na garupa e a mãe cantava uma canção antiga que falava sobre a estrela de Belém. A menina quis a estrela como presente. O pai falou, peça ao vento, seu amigo. O vento sempre aparecia nas andanças e a menina se distraia do cansaço das pernas conversando com ele. O vento animava a menina a continuar.
- Sua casa está logo ali, sua casa está logo ali - soprava ele, e a menina sorria e avançava na caminhada.
- Ou quem sabe você pede ao céu, continuou o pai. - O céu tem muitas estrelas e pode lhe dar uma de presente.
Continuaram andando e avistaram um casebre simples. A chaminé soltava fumaça. Resolveram parar, quem sabe beber um copo de água.
- Sejam bem-vindos, sejam bem-vindos! - exclamou a mulher da casa. 
O homem da casa ofereceu um banco para os três. O bebê que brincava no chão de terra batida, sorriu e estendeu os bracinhos para a menina. Ela abaixou-se e passou a mão na cabeça careca do bebê. Ele era lindo, tinha bochechas gordas e ria. A menina acarinhou o bebê que se deitou no colo dela. Um tempinho só, mas tão confortante. Uma eternidade. 
Os três cearam com os outros três. Comeram raízes brancas, frutos vermelhos, sementes marrons, pão quentinho e beberam chá de ervas perfumadas. Despediram-se desejando feliz Natal e tornaram a caminhar.
Logo adiante, a menina lembrou-se de um bichinho de pano que a mãe fizera para ela, quando tinha a idade do bebê. Carregava o objeto na mochila. Resolveu dá-lo de presente à criança. Voltaram, mas a casa não estava mais lá. Nenhum vestígio do fogo, nenhum vestígio dos três. 
No chão, onde antes estava sentada a casa, a menina reconheceu a marca da mãozinha do bebê e ao lado dela uma estrela brilhante, a mais linda que ela já viu.



Cléo Busatto gosta de gatos, é escritora, mediadora em projetos de oralidade, leitura e literatura infanto-juvenil, contadora de histórias, mestre em Teoria Literária pela (UFSC) e pesquisadora transdisciplinar formada pelo Cetrans.


Publicado em NOVEMBRO 2011,

25 de nov. de 2013

Contes du Brésil

 organização Pascale Fontaine, ilustrações  Daniela Cytryn
Éditions Reflets d`ailleurs, 2013

                           Este é meu olhar para Boto, publicado no livro Contes du Brésil. 



Boto, le dauphin
    Au coeur de la forêt amazonienne, un grand fleuve coule. Beaucoup de fleuves coulent. Ils coulent plus , vite que les garçons aux jambes nues qui crient, les aux grand ouverts:
   - Regarde le Boto, regarde le Boto !
   Sur Ia berge des fleuves de Ia forêt sombre, les jeunes lles baignent leurs corps et murmurent, les yeux émerveillés:
   - Regarde le Boto, regarde le Boto!
   Glissant dans leurs pirogues, sur les fleuves de Ia jungle amazonienne, les hómmes sages disent :
   - Regarde le Boto, regarde le Boto!
   - Le Boto, le Boto, le Boto! Botoooo ...
   La nuit tombe. Arrive Uauiará, le seigneur des eaux, le protecteur des poissons. Il prend la forme du dauphin Boto. Boto, le dauphin du fleuve Amazone, le dauphin blanc, le dauphin rose appelé «piraia-guará», ou le dauphin bleu tucuxi».
   - Regardez, voilà le Boto qui nage vers nous, l'être enchanté, le Boto protecteur !
   Il aide le piroguier à mener sa pirogue les jours agités e tempête ; il effraie les bancs de poissons pour qu'ils restent à la portée des pêcheurs, dans les mares et sur les plages ; il accompagne les embarcations dans lesquelles voyagent des femmes enceintes ; il aide les naufragés à regagner la berge en les poussant avec son bec.
   - Regardez, voilà Ie Boto qui nage vers nous, Ie Boto conquérant, Ie Boto séducteur !
   La nuit tombe. Le dauphin gagne Ies berges des fleuves, se transforme en un beau jeune homme, grand, blanc et fort. Vêtu de blanc, il porte un chapeau sur Ia tête qui cache l'orifice par IequeI il respire, pour que personne ne soupçonne qu'il est un dauphin. Il part à Ia recherche de baIs et de fêtes, chante des chansons romantiques, attire Ies jeunes filles, danse avec elles, tombe amoureux et fait des fils, beaucoup de fils ... sans jamais rien chercher à savoir d'eux.
Alors, Ie peuple dit :
   - Voilà Ie fils de Boto !
   - Cette femme s'est donnée au Boto, Ie Boto, oui, Monsieur!
   La nuit tombe et Ies hommes racontent des histoires ...
   Il y a de cela bien Iongtemps, une Indienne Tapuia rentrait chez elle en pirogue. Ses bras bien galbés ramaient avec rapidité. Ses épaules cuivrées, parées de rouge, ondulaient sous Ie mouvement de va-et-vient de Ia rame. Le soIeil faisait briller Ies eaux agitées par Ia brise du soir.
   La jeune fille fredonnait une vieille mélodie dont elle se souvenait, que lui avait transmise la mere de sa mere, qui l'avait entendue de la mere de sa mere. Elle était à un âge ou la femme se souvient encore de son enfance, mais rêve des voluptés de Ia puberté qui s'éveille.
   Elle était ainsi entre rêves et pensées quand, sans raison, un frisson parcourut son corps. Elle fut saisie de voir un garçon marcher entre les saules de la berge, un inconnu qui attira son attention. Jambes robustes, agiles. Poitrine et bras musclés. Il marchait seul et son regard était si ardent que l'Indienne rougit lorsque leurs regards se croiserent. Confuse, elle rama au hasard, sans parvenir à se défaire de la présence du jeune homme. Ils resterent ainsi un moment ... Combien de temps ? Gn ne sait pas. Puis il disparut. la jeune fille ne vit même pas le temps passer et fut surprise par la nuit qui tomba presque subitement.
   Il était déjà tard quand elle arriva au porto. Sa vieille grand-mere l'attendait, et quand elle vit sa petite-fille en retard, les larmes aux yeux, elle dit aussitôt :
   - Est-ce que ma petite-fille aurait vu le dauphin ?
   La jeune fille rougit et Ia femme poursuivit :
   - Ah, mon enfant, pour être franche, si tu as vu le dauphin, tu es perdue.
   La jeune fille disparut. L'urutau chanta trois fois. Dans le ciel sombre, Ia lune se leva, ronde, pleine, argentée et mélancolique, et le village s'endormit.
   Le jour suivant, l'Indienne fut prise d'une immense tristesse. Ses yeux sombres perdirent leur éclat. Son teint devint d'une pâleur mortelle. Elle se mit à marcher sans but. l'esprit ailleurs.
   Quatre lunes plus tard, à une heure déjà avancée de Ia nuit, les chiens commencerent à japper et se lancerent sur les berges du fleuve ou le saut joueur d'un dauphin éclaboussait les eaux. Une silhouette fendit Ia pénombre et descendit le ravin. C'était Ia jeune fille qui n'arrivait pas à dormir, venue là pour se rafraichir.
   Quand ses pieds foulerent le sable fin, tout devint silencieux. Elle entra dans l'eau. Plongea. Flotta. La lune l'épiait. Entiere à nouveau. La jeune fille nageait, plongeait, s'amusait avec le dauphin. Frémissait...
   Bien des jours plus tard, Ia jeune fille portait un petit sur son dos et à son passage le peuple disait :
   - Voilà le fils de Boto! Voilà le fils de Boto!
   Ainsi va Boto, le dauphin enchanté, qui laisse sa marque tout au long des courants. L'être qui se veut tant séducteur ...
   

24 de out. de 2013

Cratinho de açúcar, tijolinho de buriti



     A vida é assim. Simplesmente decifrável. Você sorri,  ela sorri. Você faz cara feia, ela faz outra ainda mais. A maioria de nós, artistas, escritores, queremos transformar o mundo com a nossa arte, mas esquecemos de que a primeira coisa a ser feita é, antes de tudo, nos transformar. Repetimos velhos padrões e mantemos posturas ultrapassadas, como a cultura de falar mal, ser do contra, seja de quem ou do que for. Nessa dinâmica falamos mal de nós mesmos. Ainda assim queremos fazer a diferença.
    Existem muitos índices e pesquisas para comprovar como lemos mal, como lemos pouco, como somos toscos e inacabados, como falta... falta... falta... falta... falta... educação, cultura, pão, arte... etc etc etc.
    Existem poucos índices e pesquisas para mostrar quanto projeto ainda que sem expressão nacional, sem repercussão na mídia, sem voz nas feiras e bienais de livros, se faz pelo Brasil adentro, e que muda, efetivamente, àqueles que participam dele. Quanta criança lê mais e melhor, porque tem ao seu lado uma professora, uma mediadora de leitura, uma contadora de história, ainda que sem técnica e reflexão, mas que introduz as crianças na subjetividade transdiciplinar do texto literário.
    Mantemos um discurso construído por posturas e olhares lançados de cima para baixo, com fazem os deuses do conto budista, que ao ver um papagaio tentando apagar o incêndio que consome uma floresta, com poucas gotas de água trazidas nas suas penas, de um rio distante, riem da tola e ingênua ave, enquanto descansam nos seus palácios de marfim, saboreando néctar e ambrosia.
  Frequentamos grandes eventos literários, aqueles que dão visibilidade na mídia, e lá repetimos os padrões caducos. Antes que você comece a falar que tenho olhar de Poliana, devo dizer que olhar crítico para o entorno é fundamental, para que a gente se dê conta do que é preciso fazer. Mas é preciso fazer.
     Sair do conforto reflexivo das cátedras e ir para os confins do Brasil, para as Piraporinhas do Passa Quatro, com seus 2 mil, 10 mil ou 30 mil habitantes, e ver o que se faz por lá. Encarar o desafio de hotéis sem estrela, horas de estrada além das horas de voo, para reconhecer estas vozes, que estão atuando numa esfera mínima e insignificante para os índices, mas que fazem a diferença, porque transformam, seja um, dois, dez sujeitos. Lá, o artista é sim, um transformador do seu espaço pessoal e coletivo.
   E, pensando quanticamente, quanto mais se dá atenção para uma informação, mais consistente ela se torna. Ora, então que se alimente o que edifica, o que promove a liberdade, a alegria e o bem-estar das pessoas, e não as carências e as mazelas que são reforçadas, exaustivamente, por formadores de opinião e pela mídia.
     Cratinho de açúcar, tijolinho de buriti. Crato tem cheiro de jasmim. Tem timbaúba no Cariri. Por lá é assim. Eles fazem a diferença. O Sesc faz diferença, as Tinas, Ana Rosas e Magnólias fazem diferença. Crianças atentas, participativas e aquele povo todo reunido para compartilhar saberes e afetos, fazem a diferença. Eles transformam o mundo, ainda que seja o seu pequeno mundo.

30 de set. de 2013

Paisagens da mente

 
huichol_maria de jesus hernandez rivera de la cruz
   Dois eventos unidos pela sintonia fina da sincronicidade animaram o meu espírito nos últimos tempos: o primeiro, o encontro com a homeostase quântica da essência, através da fala sensível do professor Sergio Ceccato. O segundo, o encontro amoroso com o Lama Padma Santen e o seu budismo, como consciência da mente.
  Os dois fazem do seu corpo veículo de experimentações para transformações das suas vidas e esta prática transparece nas suas teorias. Ambos indicam caminhos para que as pessoas possam se livrar dos sofrimentos e viver de forma harmônica e feliz.
  Para estudar o nível quântico e aplicá-lo no dia a dia, o primeiro se vale dos experimentos mentais, com observação dos dados baseados na física quântica. O segundo lança seu olhar para as relações humanas, e nos indica como a lucidez e o uso correto da energia nos proporciona paz interna.
  Em comum, os dois apontam para uma mudança de paradigmas, resultado dos múltiplos olhares que podemos lançar para o mundo, onde a neuroplasticidade, esta capacidade do cérebro de se reinventar o tempo todo, é a personagem central, sugerindo infinitas possibilidades. Em comum, apontam para a consciência não-local, a dimensão do mítico-simbólico da Transdisciplinaridade.Em comum, abrem o caminho para a dimensão do mistério, onde repousa o nosso olhar.
  Mais uma vez a metáfora entra em cena indicando que temos o poder de construir paisagens mentais e torná-las reais. Nós somos quânticos e não sabemos ou não acreditamos que somos. Os eventos dizem isto. E uma paisagem  se forma na minha mente e gera ressonância na minha alma: nós, criando nossa realidade, a cada pensamento e sentimento que geramos, a cada texto que pronunciamos. 
  E, se queremos ser livres e eliminar a avidia (aprendi com o Lama, que avidia significa cegueira, estar preso a uma visão única e acabada de mundo) é bom que se aprenda a silenciar.
 Ao silenciar a mente, ela volta ao seu estado original. E, com esta lucidez determinamos como queremos estar. Não mais os sentimentos no comando, nos jogando pra lá e pra cá, provocando toda espécie de afetos negativos. Com a mente quieta conseguimos enxergar e dialogar com outras realidades, e construir um mundo melhor para nós e para os outros. 

23 de set. de 2013

O tempo da primavera em nós 2011 - 2013



   Para saudar a primavera tratei as plantas. Cortei os galhos secos. Revirei a terra e acrescentei húmus. Lavei as folhas, retirei a poeira. No inverno não é bom mexer com elas. Preferem ficar quietinhas e recolhidas.  A energia se volta para dentro. Por fora parecem feias e sem vida. Mas lá, no interior escuro, algo se processa. É tempo de preparar um novo galho, que expandirá seu brilho na forma de uma nova folha, flor, fruto. Quando chega a primavera, a natureza sabe que é tempo de vir para fora em toda a sua plenitude, mostrar a beleza que carrega em si, construída lentamente, num processo silencioso e continuo. 
 O mito nos conta, que  a deusa Perséfone, quando jovem, foi raptada por Hades. Deméter, sua mãe e senhora da terra e das colheitas, fez um trato com o deus do mundo subterrâneo. Eles acordam que durante seis meses a jovem ficaria com ele, no mundo de dentro e depois, por outros seis meses, permaneceria na companhia da mãe, no mundo de fora. Quando ela chega à superfície, tudo floresce e madura. Quando ela volta para Hades, a natureza se contrai e se volta para o interior.
Cuidar do jardim metaforiza o ato me cuidar, para fazer a primavera acontecer em  mim. No meu inverno, tempo de recolhimento, calada eu gero, o que potencialmente já existe. Quando a primavera se aproxima, eu também devo limpar minhas sujeiras que impedem o livre respirar, cortar o galho que não tem mais seiva, me adubar com terra boa e nutrientes, renovar a consciência dos ciclos da natureza. Tudo nasce, cresce e morre. Até um pensamento, uma forma de se olhar.
Primavera é tempo de se florir, deixar surgir novas ideias, novas formas de se lidar com as coisas, de desapegar e permitir que o belo que nos habita se espalhe na superfície. Tempo de se maravilhar com a vida, que explode em cores e perfumes, se deixar tocar pelo sonho que origina o movimento para o novo. É tempo de ver as coisas com os olhos da alma, e se assombrar com o que poderá se enxergar.

15 de set. de 2013

A leitura literária e a formação do leitor

   
 Nunca se falou tanto em leitura e sobre o texto ficcional. Já é consenso, que ler é a principal condição para fazer parte da letrada sociedade contemporânea e, que  a leitura promove a formação de sociedades democráticas orientadas pela pluralidade; desenvolve o potencial humano; facilita a inclusão social; assegura a liberdade e a condição de ser um cidadão. É por isto que estar no mundo e interagir com ele, exige continuidade e diversidade de leituras.
   Uma forma de democratizar a leitura é pensá-la como prática social, como ser o leitor de quem não lê. Essa atitude facilita a partilha de afetos, que se manifesta por meio da troca de impressões sobre o que se lê.  No conto A história de dona Cotinha, Tom e o gato Joca  (BUSATTO, Cléo,  in Revista Nova Escola – Edição Especial, agosto 2010.), um menino se torna leitor de uma senhora idosa e quase cega. 
   Já, a prática cultural promovida pela leitura é uma ação que pode acontecer em nos lugares mais inusitados, como ponto de ônibus. Em vários cantos do país podemos ver esta prática se desenvolvendo e, quando não ocorre só com os livros, acontece através das intervenções de artistas, que atuam na interface com outras linguagens.
   Que ler é condição básica para o exercício da cidadania, ninguém tem dúvida. Mas, reconhecer a importância da leitura literária; da subjetividade e da fantasia na formação do ser humano; compreender que a literatura é uma linguagem simbólica, por onde se revelam diferentes dimensões do sujeito; entender que ela expressa diferentes olhares e modos de ser e, que favorece o reencantamento pela vida, ainda não é entendimento da maioria.
     Portanto, cabe a nós, leitores e mediadores de leitura, dimensionar e revelar os efeitos e afetos da literatura na vida das pessoas. Esta ação que se inicia na sensibilização para a escolha do livro literário, dificilmente ocorre sem o papel de um mediador, seja em casa, na escola, na biblioteca e outros espaços leitores.
    Promover a leitura literária é tarefa para um profissional já sensibilizado por ela. Ele é quem vai indicar caminhos e compartilhar o prazer em ler. Formar leitores não é uma tarefa fácil. Exige do sujeito-leitor, um trabalho contínuo e dedicado, a fim de desvendar os meandros do texto, na busca dos significados, seja no mais simples ao mais complexo escrito ficcional. Para esta tarefa pede-se a intervenção de um sujeito-promotor-construtor-de-vivências com a literatura, capaz de colaborar para a formação de outro, o sujeito-leitor-crítico-e-atuante.
  Chamo este mediador de agente do reencantamento, por que, ao promover a leitura, ele compartilha o que tem de mais raro, seus sentimentos e experiência de vida. Com isto facilita ao ouvinte o acesso ao seu mundo interior. Ao ler ou contar histórias para o outro, abrimos o coração e nos tornamos cúmplices, seja daquilo que a história quer dizer, seja dos afetos provocados no ouvinte. Para ser um agente de reencantamento devemos parar o tempo marcado pelo relógio, e descobrir outro tempo, o tempo de estar junto e partilhar uma história com amor. Fazer do conceito kairós, uma práxis.
    A literatura é como um espelho que nos mostra outra realidade, de onde podemos acessar nosso mundo interno. Isso ocorre, porque ela revela a multiplicidade de olhares que o homem lança sobre o mundo. Apresenta vivências, maneiras de fazer e sentir as coisas, de onde a gente pode olhar para nossa história e decidir o que é melhor para nós. Isso acontece, quando entramos em contato com as histórias que tratam daquilo que é universal e atemporal. Costumo dizer que estas são as histórias que carregam a alma mítica do mundo.
   A literatura nos ajuda a reconhecer as relações simbólicas estabelecidas com as pessoas e com o meio e, nos ensina a habitar poeticamente o espaço. Mostra como existir de acordo com a lógica de troca simbólica, no instante da relação com o mundo e com o outro, e nos esclarece que estar no mundo implica em dar, receber e larga.

    É tempo de olhar para a leitura literária e reconhecer que, a dimensão do sensível ativada por ela, é fundamental para o ato do conhecimento. Através das histórias descobrimos que sofrimento e prazer, alegria e tristeza, não são prerrogativas de poucos, de uma época ou cultura. Esses sentimentos nos lembram de como é eterna e universal a busca pela paz e pela liberdade. Que todos nós ansiamos por uma vida de amor, confiança e coragem, livre dos conflitos e das dores.
  Esta sensação de pertencimento sugerida pela literatura faz toda a diferença, pois facilita a experiência com o sagrado, que se revela a partir da expansão da percepção, e que pode ser sentida como uma mudança no nível de consciência. É tempo de pensar as histórias como metáforas que nos mostram como viver plenamente, e o mediador de leitura, como um agente do reencantamento.
  Até agora falamos dos efeitos e afetos da literatura. Mas, o que é preciso reconhecer, e que estratégias usar, para se formar um leitor? Inicialmente gostar de ler e apreciar a literatura. O bom mediador estimula a visita às casas dos livros: livrarias, bibliotecas, sebos. Divulga bate-papos com autores, sugere e promove oficinas literárias, organiza encontros e mostras literárias. Compartilha suas leituras e vibra com as histórias que narra. Lê em voz alta e conta histórias. Estimula a leitura silenciosa sabedor que é no silêncio e recolhimento, que se exercitam habilidades como interiorização, disciplina e concentração. Trabalha com variedade de temas, consciente de que eles formam a consciência ética e estética do leitor.
  O mediador ensina a ler a literatura e percebê-la como uma modalidade de arte. Prioriza obras que sugere o trabalho com a linguagem, pois elas facilitam compreensões e nos ajudam a entender a estrutura da língua. A linguagem tem várias tramas. Algumas mais finas, outras mais robustas. Algumas rebuscadas, outras lineares. Para exemplificar sugiro a leitura de um trecho do livro Pedro e o Cruzeiro do Sul (BUSATTO, Cléo, SM, 2006). 

        Minha avó é a pessoa mais divertida que eu conheço. Quando eu ainda cabia 
        debaixo da mesa, ela brincava comigo de falar frases difíceis. Um dia, ela teve 
        pneumonia e foi parar no hospital. Eu tive varicela e fiquei em casa parecendo 
        um cachorro sarnento. Eu rezava para que minha avó melhorasse logo. E, pra 
        ela não ficar triste, eu escrevia muitos bilhetes. Ela ficou boa logo e voltou pra 
        casa. Foi aí que ela me ensinou a brincadeira de falar frases bem rápido.
        Lembro até hoje. Uma delas era assim:
        
        Era uma velha furunfunfelha de maracuntelha,
        foram na roça furunfunfoça de maracuntoça.
        O marido da velha furunfunfelha de maracuntelha
        foi à polícia furunfunfícia de maracuntícia,
        disse que a velha e a moça furunfunfosca de maracuntosca
        mataram um coelho furunfufelho de maracuntelho.
        Veio o soldado furunfunfado de maracuntado,
        prendeu a velha furunfunfelha de maracuntelha.
        E casou com a moça furunfunfosca de maracuntosca.

O bom mediador entende que leitor é a pessoa que lê, independe do que lê. Não julga. Antes, valoriza e incentiva novas buscas. Entende que ler literatura é uma opção do sujeito; que há pessoas que preferem dançar; outras, ouvir música ou ir ao cinema; algumas preferem fazer tricô, cozinhar. E, têm as que preferem a companhia da leitura literária, e a estas ele diz, fez uma boa escolha.

13 de set. de 2013

A palavra falada (quando o texto se transforma em som)

Oralidade nos anos iniciais é o tema da palestra que irei apresentar no XVII Congresso e Feira de Educação, SABER 2013, em São Paulo no dia 20 de setembro , das 9hs às 11hs.

   A narração oral de história, exercício da voz falada, expressão estética manifestada a partir de um exemplar literário, estrutura o pensamento e propicia diferentes experiências. Um texto bem narrado conduz a uma vivência simbólica, pois o sujeito-ouvinte aprende a se relacionar com as representações da palavra. Propicia uma vivência social, porque proporciona o acesso ao acervo de conhecimentos acumulados por outras culturas.
   Como consequência ativa a valorização étnica e a construção da paz, pois gera o respeito à diversidade criadora. Promove uma vivência educativa ao possibilitar diferentes atitudes diante de um texto concretizando uma aprendizagem múltipla. 
   Alteridade é outra vivência que esta prática proporciona. Por meio do texto narrado o ouvinte vive a história do personagem sem correr os riscos que porventura ele corre; experimenta situações singulares; prova afetos; exercita habilidades. Esta subjetividade implícita na literatura amplia a consciência ética e estética do ouvinte.
   Contar histórias pede disponibilidade e generosidade por parte do narrador. Demanda um envolvimento com a história e seu simbolismo. A narrativa bem conduzida abre a possibilidade para que o espectador crie sua própria história, a partir dos elementos que lhes são oferecidos. Por isso a importância de alguns critérios, como a escolha de textos de reconhecido valor literário, que priorizam as imagens nítidas, propõem acordos ficcionais e poéticos, andam de mãos dadas com fantasia, ampliam as leituras que o leitor pode fazer de si e do outro e possibilitam o contato com seu mundo interior.
   Contar histórias, prática milenar, sustenta um toque de contemporaneidade, porque se encaixa em paradigmas educacionais emergentes, como a transdisciplinaridade, linha de pensamento que prevê, entre outros preceitos, a inclusão dos diferentes níveis de realidade que se abre para os diferentes níveis percepção. Já a literatura oral se sustenta na complexidade, na compreensão e aceitação das diferentes culturas, olhares que favorecem uma formação complexa, redonda, ampla e abrangente.
  As boas histórias, aquelas permeadas pela alma do mundo provocam a sensação de pertencimento a algo maior, como ser perpassado pelo mistério da vida. Uma boa história leva à transcendência dos limites do mundo pessoal, marcado por dores e alegrias, para introduzir o sujeito-ouvinte na universalidade da experiência humana.  Através das histórias descobre-se que os afetos, seja o sofrimento, o amor, o sacrifício ou a coragem não são privilégios de poucos. Estes sentimentos lembram ao ouvinte como é eterna e universal a busca pela paz e pela liberdade; a busca por uma vida de harmonia livre dos conflitos e das dores.
   Essa sensação de pertencimento sugerida pela literatura faz toda a diferença. Facilita a experiência com o sagrado, que se revela a partir do aguçamento ou expansão repentina da percepção, e pode ser sentida com a mudança do nível de consciência. Para isso existem as histórias. Para isso existe a literatura.

11 de set. de 2013

O olhar de Neuza

O olhar de Neuza é um espetáculo cênico produzido pela Cia do Abração, Curitiba. Registro aqui a minha voz,  como  um  mimo  que  ofereço às mulheres (e ao feminino dos homens!) fortes e lindas, sensíveis e criativas, que noite de sábado me deram um presente, O olhar de Neuza. E, como neste micro do macrocosmo, tudo é possível, eu observadora, criei uma realidade que iria viver horas depois. O olhar de Neuza já tinha iniciado e eu nem havia me dado conta.
E agora, dizer o que? Que Letícia e Fabiana chegaram à maturidade profissional e que a coerência que permeia suas vidas, se revela como coerência com sua arte? Que a simplicidade e a economia de recursos promoveu a fartura de criatividade? Que a plasticidade cênica criou uma imagética densa e bela, que desceu às profundezas, repercutiu no ser interno e, ao emergir trouxe clareza?
Impossível se referir a este trabalho na dimensão da lógica. Análise? Interpretação? Crítica? Não.Que seja antes, e tão somente, uma lógica sensível. Só dá para falar de O olhar de Neuza pelo viés do mítico, do simbólico e do sagrado.

Paisagens

Cena 1
Eu, no meu quarto seleciono roupas para desafogar o armário. Desafogo também minha alma. Desfaço-me de máscaras que não uso mais. Quero simplificar. Bastam duas, três peças de cada roupa, para compor um vestuário. Experimento. Construo personagens. Desconstruo o personagem. Olho para mim e olho para a roupa. Esta não sou mais eu. Vai para o saco.
Cena 2
- Desculpa minha falta de jeito. Há duas semanas me preparo para vir aqui e trazer uma flor para vocês. Vim assim, destrambelhada, na corrida. Esqueci-me da floricultura. Esqueci-me do dinheiro.
- Mas você está aqui.
- Um mimo. Era só um mimo.
Lágrimas sobem para a garganta, ou descem para a garganta? Lágrima, sobem ou descem, quando querem sair? Controlo. Seguro. Que está acontecendo comigo? Por que o choro agora? O que foi ativado aqui dentro? Não sei. Não sei. Disfarça.
Ela se vai. É a anfitriã. Eu circulo pelo espaço. Sinto que algo se mexe aqui dentro, tira o sossego, tira o prumo. Bom... se fora de prumo já estou é só uma questão de me encontrar neste desnível.
Cena 3
As luzes se apagam. Uma voz robusta e doce enche o espaço. Canta um fado. Traz os fatos. Traz o choro. Engulo outra vez. Fiquem quietas, vocês todas, lágrimas, afetos, desafetos. Silêncio. Não foram convidadas para este espetáculo. Disfarço e engulo.
Ela canta. Canta o choro.
Cena 4
Subitamente uma imagem se materializa do outro lado da vidraça. Uma mulher com olhar vazio. As portas se abrem e sou convidada a entrar num espaço sagrado. Tremulam as lágrimas dentro de mim. Sei que não vou resistir. Piso em folhas secas. O outono já chegou. O outono em mim.
Cena 5
Ela fala que não quer fazer teatro. Que não é a personagem. Que é a outra. A outra. Outra. A outra em mim se agita. Quer sair. Disfarço. Controlo.
Cena 6
Entre fados e fatos se passa uma hora, duas, dez? Sei lá. Sou levada a parques, quintal de terra batida, quarto escuro e frio, precipício diante de mim. Viro puta, escrava, mestre das mestras, mulher, amante, adolescente abandonada no baile de formatura. Viro do avesso.
Mas, ela não sou eu. Ela é a personagem. A Neuza. Eu sou a outra. A que observa. Feito pássaro que olha, de fora. Mas, ela também sou eu. Ela é feita de todas nós.
Cena 7
Não sei de onde, se veio de baixo, ou de cima. Enfim, elas chegaram, grossas, salgadas e abundantes. Não resisto mais. Estou totalmente entregue ao mistério. Cadê meu lenço? Como uma mulher sai de casa sem lenços de papel?
Cena 8
A voz canta. Fado. Destino. Moiras tecendo sem parar. É noite. Uma flor. Aquela flor que eu deveria ter trazido está ali. Vermelha, sangue que não jorra mais. O vermelho sangue se materializa em panos que escorrem pelo tempo do outono. A voz canta. Doce voz.
Cena 9
Eu me desfaço e me deixo desfazer. Eu não tenho nada. Acho que ela dizia, eu não tenho nada. Eu não tenho nada, mesmo assim, trago em mim todos os sonhos do mundo.
Cena 10
A luz se apaga. O ritual acabou. Saio. E lá, onde me deixei estar, restam duas de mim. Ela, a Neuza, e ela, a Voz.

5 de set. de 2013

Literatura infantil auxilia professores em sala de aula


      Segundo especialista, a obra literária pode ser utilizada 
como complemento para atividades na escola, 
junto ao livro didático

                                                                                                                                   03 de Setembro de 2013

O livro didático dá suporte, tanto para o professor, como para o aluno, no ensino das matérias básicas em sala de aula. No entanto, outro tipo de obra entra em cena para proporcionar um maior aproveitamento em sala de aula: o livro literário. Disponibilizado juntamente com o material didático, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento e Educação (Fnde), estas obras indicam formas diferentes de como o processo de aprendizagem pode ocorrer, devido à estruturação didático-metodológica e pelas atividades propostas.
Cléo Busatto, escritora e contadora de histórias possui três de suas obras escolhidas pelo programa do governo: Paiquerê, Dorminhoco e Livro dos números bichos e flores. Segundo ela, a presença destes títulos proporciona ao leitor, acordos ficcionais e poéticos, o “andar de mãos dadas” com a fantasia, ampliar as leituras que o aluno pode fazer de si e do outro e possibilitar o contato com o mundo interior. “Para atingir estes objetivos, o livro tem que conter qualidades literárias, como: imagens nítidas e precisas, um texto que amplia o repertório do ouvinte, que permite experimentações com a linguagem e que transmitam mensagens edificantes ao estudante”, destaca Cléo.
Métodos utilizados
Para a escritora, as escolas precisam assumir a formação do leitor literário como um compromisso institucional, que visa desde a organização de bibliotecas até os equipamentos das salas. “O incentivo à leitura literária é uma tarefa que deve envolver professores, direção, pais e as crianças. É um compromisso a ser assumido por todas as partes, para que se sensibilizem as crianças a serem leitoras”, observa. “Além disso, é interessante que os professores busquem a prática de contar histórias, fazer práticas de leitura diferenciadas, ricas, desafiadoras e instigantes”, complementa Cléo.
Na prática
De acordo com Cléo, por isso, é importante dar acesso aos alunos em feiras de livros, livrarias e bibliotecas, bem como realizar atividades que contenham a história narrada adaptada a outras linguagens, como por exemplo, teatro de fantoches, e lembrando que o livro de gravuras também conta uma história.

4 de set. de 2013

Cléo Busatto encanta prudentinos em oficina de contação de história

 Atividade foi realizada na manhã de ontem, na Oficina Cultural Timochenco Wehbi
Primeiramente, todo contador precisa saber contar a sua própria história, para depois ganhar o público”, frisa.

Aproximadamente 40 professores, coordenadores pedagógicos, psicólogos e até designers, de Presidente Prudente e região participaram ontem, da oficina baseada no livro “Contar e Encantar, a Arte de Contar e Ouvir Histórias”, com a escritora e contadora dessa arte, Cléo Busatto, de Curitiba (PR). O evento ocorreu na Oficina Cultural Timochenco Wehbi.

Na ocasião, a profissional abordou com os presentes as técnicas da narração no âmbito pedagógico; pessoal, mãe e filho; no contexto social e nos ensinamentos, para a formação do ser humano que pode ser obtido através dela.
De acordo com Busatto, a literatura tem suma importância na vida das pessoas. “Quando nos sensibilizamos, habitamos poeticamente com o mundo, nesse movimento que a contação proporciona que é fazer o movimento do dar e receber, da troca de experiências”, afirma.
Ela mostrou aos profissionais que ali estavam, os recursos e instrumentos que utiliza para que estes possam se apropriar. “Digo que precisamos saber conquistar, construir a comunicação de forma sensível, para que chegue ao ouvinte e ele absorva. Um primeiro segredo deste livro que é o tópico ‘contar com o coração’ destaco a minha capacidade de compartilhar o que tenho de genuíno, minhas experiências vividas. Primeiramente, todo contador precisa saber contar a sua própria história, para depois ganhar o público”, frisa.
Conforme a escritora, um dos tópicos principais trabalhados em suas palestras e oficinas é o de que o início de tudo se dá com uma linda história, onde Deus criou todas as coisas. Assim, ela faz as pessoas refletirem e buscarem o significado das coisas.
Construindo um cenário lúdico, com música ao fundo e encenação com movimentos, e até canto, ela contou suas histórias e levou os participantes a fazerem uma viagem imaginária do que estavam ouvindo.
 Perfil
Busatto é uma artista da palavra, contadora de histórias e especialista em literatura infantil e juvenil. Mestre em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora transdisciplinar formada pelo Centro de Transdisciplinaridade (Cetrans). Mais de 100 mil pessoas já ouviram suas histórias.A escritora Investiga a narração oral no meio digital e produz softwares educativos. Suas obras fazem parte de programas de leitura e catálogos internacionais, como o Bologna Children’s Book Fair.
Uma das participantes do curso, a professora Rita de Cássia Nespolo Damasceno, 48 anos, disse que participou certa vez de um congresso de contação de histórias e adquiriu o livro de Busatto. Gostou tanto do que leu, que o usou em sua monografia. “A forma como ela trabalha é muito rica, a linguagem teatral que é inserida tem todo um diferencial. Sua proposta, a colocação verbal atrai, segura a atenção e realmente nos coloca a refletir sobre a mensagem que deve ser passada para quem nos ouve. Muito boa a oficina”, salienta.
 por Oslaine Silva-DA REPORTAGEM – O Imparcial, Presidente Prudente, SP, 15 de agosto de 2013 às 08h28 - Cultura

27 de jul. de 2013

Histórias para reencantar o mundo, 2


 Hoje foi dia de Histórias para reencantar o mundo, 2. Combinamos o encontro no Passeio Público, de Curitiba, às 11hs. Para nossa surpresa, minha e de Marilza Conceição, só estávamos nós duas. Não desistimos. Tocamos a ideia em frente.
Quando Marilza chegou, começamos a circular pelo Passeio. Como reflexão sobre o encontro anterior, percebemos que as pessoas não vão até lá para ouvir histórias. Talvez por isso a relutância em parar.  Elas vão por outros motivos: passear, fazer feira, ver os pássaros, brincar no playground, namorar nos bancos, tomar sol.  Não existe tradição de contação de histórias no Passeio. E nem é este nosso objetivo.
Então, decidimos que nós iríamos até elas. Funcionou. Abordamos as pessoas e perguntamos se elas gostariam de ouvir uma história. Aceitam de bom grado.
Contei a primeira história, ainda sozinha, às 11h12, para um pai e seus dois filhos. Um jovenzinho de treze ou quatorze anos, e outro menor, talvez nove ou dez, que lutava para manter no ar seu balão helicóptero.
Iniciei a aproximação me apresentando e  mostrei livro Paiquerê, o paraíso dos Kaingang (aliás, eles tinham cara de Kaingang). Expliquei rapidamente o projeto, fiz questão de dizer que não estava vendendo nada, apenas oferecendo uma historia para eles. Ouviram em pé, inicialmente um pouco relutantes, mas à medida que a história ia acontecendo, eu sentia que eles relaxavam.
No final, ao mostrar as ilustrações do livro para eles, o menor disse, bonita esta história, eu nunca mais vou se esquecer disto.
O próximo encontro será dia 7 de setembro. Esperamos a adesão dos contadores para esta ação breve e intensa. Uma hora circulando no Passeio e mil histórias pra se ouvir.

18 de jul. de 2013

Meditação



Após alguns meses sem praticar a meditação diariamente (olha a desculpa: o ritmo do trabalho, etc, etc),  eu retomei a prática, 21 minutos diários. Reencontro a o espaço da meditação no meu dia a dia, e a condição de se viver com mais harmonia. Falar de meditação é voltar a atenção para o silêncio, lugar de onde posso contemplar e vivenciar a metáfora dos cinco elementos e suas influências. Para o budismo tibetano aquilo que gera e mantém a vida é lung. Para o povo wapixana é udurona. No taoismo é chi, e no hinduísmo, prana.
Muitos, sequer dão nome para isso e, tampouco, têm consciência de que alguma coisa (invisível aos olhos, pois sem matéria) se move dentro de nós e anima o ser humano. É o princípio vital, energia que se manifesta através das cinco propriedades naturais (éter, ar, fogo, água e terra) que constituem os corpos. A meditação é o veiculo para localizar os significados destas forças e perceber seu equilíbrio/desequilíbrio.
Quando a fonte se revela por meio do éter, a quinta-essência, salta para fora a alegria que transparece no brilho dos olhos. A ausência deste elemento etéreo e essencial se traduz em apatia e morte, ainda que o corpo físico esteja vivo. O ar rege os processos mentais. Mente perturbada fica saltitando pra lá e pra cá, ativa, difícil de controlar. Mente tranquila é mente disciplinada pelo ir e vir da respiração, ar que nos alimenta, num incessante contrair/expandir, de onde posso ouvir o som do meu mar interior.
No silêncio, o princípio do fogo, sol de dentro de nós, expande seu calor suave que se revela num ser amoroso e generoso. Falta de fogo gera seres frios e ásperos. Excesso de fogo gera raiva, agressão física. O equilíbrio se encontra no caminho do meio. Quando o lung da água se faz presente, ele promove a resiliência e não reatividade. Água correndo pelos ossos os torna flexível. Com a prática da meditação, ela circula sem resistência, contorna obstáculos, se amolda ao caminho. Flui. Sem água, seca, racha, quebra.
A consciência do princípio da terra transparece na firmeza e na persistência das ações. Com esta força desequilibrada, não se cria, procrastina. No silêncio, eu sento na montanha que há em mim e aguardo, serena e confiante, tudo se manifestar.
E, nesta dança cósmica, a vida se move e se desenvolve, e a gente lança os olhos pro horizonte, e anda. 

29 de jun. de 2013

Histórias para reencantar o mundo



    No livro A arte de contar histórias no século XXI (Vozes, 2006), eu disse que o século XXI carrega o desafio de reencantar o mundo e que, por meio do imaginário e suas manifestações, a contação de histórias, por exemplo,  é possível retornar à matéria humana e ressensibilizar o entorno e as pessoas.

    Dia 29 de junho de 2013. Hoje iniciamos uma ação que tem esta proposta. Sensibilizados por uma história que tem alma, podemos sensibilizar o outro, o entorno, a cidade, e por aí vai.
O encontro foi no Passeio Público, que vem sendo palco de humanização de Curitiba. Este evento se agrega ao movimento, Histórias para transformar o mundo, da Red Internacional de Cuentacuentos. Também é minha  contribuição a este movimento maior que vem mudando a cara do Brasil.
   O evento-bebê foi encantador. Reunimos 3 contadores de histórias, eu, Marilza Conceição e Guga Cidral. Três crianças com pais disponíveis para ouvir; dois visitantes do Passeio que pararam ao receber o convite; André Malinski, Eliane e Manoel. Um andarilho, Ricardo, apareceu por lá (um excelente contador de histórias), mas não ficou. Pediu desculpas, mas ele também ia contar histórias pelo Passeio; algumas pessoas ouviram de longe. 
   O que não foi surpresa para nós, foi a recusa de várias pessoas. Elas não paravam nem sequer para receber o convite, porque não tinham tempo - ainda que estivessem passeando por lá,  ou rejeitavam o chamado com um misto de medo e espanto. 
   O convite foi lançado. No último sábado de cada mês, às 11 horas, junto a ponte da entrada principal do Passeio Público de Curitiba, é o local do encontro. Venha e conte a sua história.

15 de jun. de 2013

O olhar

Taquille, Peru
   Quando viajo olho para o alto. Lembro-me de uma conversa com um amigo durante uma viagem que fizemos juntos à Nova Iorque há muitos anos. Eu, espantada e encantada com cidade, enquanto ele dizia, Nova Iorque é uma cidade para se olhar pra cima.
   De fato, ao levantar os olhos, eu me dava conta da dimensão do World Trade Center,  da torre da Chrysler, do Empire State, da forma arrojada do Flatiron surgindo à minha frente naquela esquina da 5ª Avenida.
   Desde então, quando passeio por lugares que não conheço, olho para cima e quanta surpresa isso me reserva. Outros edifícios iriam me surpreender, não pelo seu tamanho, mas pela arte emoldurada nas alturas. Dragões, seres alados, gárgulas, anjos, personagens míticos pousando no topo dos prédios com seu carro divino. Poesia estampada pertinho do céu.       Descobri portais que se abriam para revelar a alma de um povo e me colocar num imaginário totalmente novo para mim.
   Ao mirar para o alto pode se ver meteoritos, sim, Marta, como o que vi na Patagônia.  Uma luz cruzava o céu ao entardecer. Pasmos diante do inusitado, tocamos em sua direção e fomos vê-lo desaparecer no horizonte, além do mar. Ao ler o jornal no dia seguinte ficamos sabendo que era um corpo celeste visitando a terra.
   É só elevar os olhos. E se for à noite dá para relembrar as caras da lua, da minguante à cheia. O céu está em verdade aberto, vamos a ele, já disse Ovídio no texto que reproduzo na abertura do meu livro Pedro e o Cruzeiro do Sul.
   Porém, a despeito do meu olhar treinado a se direcionar para cima durante as viagens, eu me esquecia deste olhar no dia a dia, na minha cidade. Quando me dei conta deste contrassenso passei a olhar para o alto, sempre, e ver belezas onde antes não via, como pé de fruta na calçada. Fruta madura ao alcance da mão no centro da cidade grande.
   Inconscientes, tornamos o dia a dia uma mesmice e passamos por ele sem perceber que o cotidiano traz em si novidades que dão alento para a alma. Agora, treino meu olhar para ver o por do sol da janela da minha casa, pelo corredor que abro com os olhos por entre os prédios. Róseos azuis dourados tingindo a sala. Deixo-me banhar pelas luzes filtradas pelas cortinas. Elas enchem de esperança o meu espaço.
   Aproprio-me desta imagem, olhar para o alto,  como uma metáfora para a ascensão da consciência individual e percebo que estamos tão acostumados a olhar para baixo, quando não para nosso próprio umbigo, que esquecemos que ao olhar para cima veremos estrelas.

Histórias da Cléo PR3

Arquivo do blog