Ele gritava, ela chorava. Assim passaram meses. Anos. Ela não era feliz. Tampouco ele. Um dia ele teve dor de garganta. Parou de falar. Ficou um dia sem gritar e ela achou bom. Dois dias no silêncio. Muito melhor. Três, quatro, cinco, seis. A dor não cessava. A garganta inflamada. O médico disse, poupe sua voz. Ele seguiu a recomendação, mas nem voz tinha mais.
Duas semanas se passaram e os gritos presos na garganta quiseram sair. Ela o irritava com sua mania de lixar as unhas em cima da mesa. Mas o grito não saiu. Ela e sua mania de comer biscoito enquanto zapeava a televisão também o irritava. Outra vez o grito não saiu. Ele engolia a raiva, a frustração de não poder dizer tudo que estava preso na sua garganta. A inflamação não passava. Um alívio, sim. Mas a voz não voltou.
Ela estava adorando a vida sem gritos, podia até ouvir o pulsar do seu próprio coração. Quanto tempo fazia que já não ouvia a voz do seu coração?
Chegou um tempo que os gritos sufocados na garganta começaram a sair pelos poros, pelas pontas dos dedos e ele bateu forte na mesa. Socou os travesseiros. Bateu forte na porta e, quando ela o confrontou nas suas verdades tortas, ele bateu forte nela e os gritos, todos os gritos ocultados na raiva do seu ser se transformaram num ato brutal.
Ele batia, ela chorava. Assim passaram os dias. Assim passaram meses. Anos. E quando perguntavam para ela, por que o aturava, ela respondia, porque eu o amo, porque ele é assim e é preciso aceitar as pessoas como elas são.
Cléo, minha querida Cléo,
ResponderExcluirQue texto forte e belo. Eu me embriaguei toda dele e quanto mais eu lia, mais eu queria tomá-lo por inteiro. Foi quando lembrei de um poema do Baudelaire que diz assim:
É necessário estar sempre bêbado.
Tudo se reduz a isso; eis o único problema.
Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo,
que vos abate e vos faz pender para a terra,
é preciso que vos embriagueis sem cessar.
Mas – de quê?
De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor.
Contanto que vos embriagueis.
Foi assim que eu me embriaguei do teu texto. Que iluminura você teve neste dia! Bom para nós leitores...