Contar histórias é uma arte rara, pois sua matéria prima é o imaterial, e o contador de histórias um artista que tece os fios invisíveis desta teia que é o contar. Ele é como um mágico, que faz aparecer o inexistente e nos convence que aquilo existe. Cria imagens no ar, materializa o verbo e transforma-se ele próprio nesta matéria fluida que é a palavra. Empresta seu corpo, sua voz e seus afetos ao texto que ele narra, e o texto deixa de ser signo para se tornar significado. Nos faz sonhar, porque consegue parar o tempo, nos apresentando um outro tempo.
Considerando os mais recentes estudos sobre oralidade, é consensual que a narração oral seja vista como representante de gêneros dramáticos contemporâneos. Ela vem marcada por atributos éticos e estéticos. Adquire um papel transgressor, crítico e político ao dar voz às minorias, recuperando a cidadania. Em alguns casos, o contador apropria-se da narração com o objetivo de despertar o riso, por meio do cômico que escorre das histórias apropriadamente escolhidas para esse fim; assume, dessa forma, uma objeção contra as forças opressoras.
A narração oral é política e transgressora quando agrega os ouvintes, seja na rua, na praça, e subverte o tempo linear, a pressa, quebra a resistência em ouvir a voz do outro, rompe as defesas do passante com a graça do contador, liberta o sujeito das normas e oferece indagações, questionamentos, alegria, riso, descontração, aproximação, harmonia, fraternidade.
Seus predicados estéticos se manifestam com o domínio do ritmo, a clareza das intenções e a capacidade de dar forma às palavras por meio de um corpo expressivo e expressão dos afetos. Isso lhe confere um espaço de reflexão nas recentes teorias literárias. Pode-se considerar aqui, que o texto transmitido oralmente se insere na categoria de performance, considerando performance, segundo E.Langdon, um ato de comunicação que se distingue de outros atos da fala principalmente por sua função expressiva ou poética. Isso faz da narração oral uma atividade artística, ainda que seja exercida fora dos domínios do palco tradicional. Que nosso palco para a fala bem dita seja o trabalho, a rua, a casa.
Esse texto faz parte do livro A arte de contar histórias no século XXI - tradição e ciberespaço.
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