Certa vez fui a uma escola
de educação infantil contar lendas brasileiras. Entre elas a história do
Papa-Figo, monstrengo herdado da tradição oral africana, um devorador do fígado
das crianças mentirosas. Com uma narração lúdica e bem humorada, o conto se
encaixou entre outros mais conhecidos, como Caipora e Cobra Norato. No final da
apresentação, algumas crianças exorcizaram o medo me enfrentando ao dizer:
- O Papa-Figo vai comer o
teu fígado. O Papa-Figo vai comer o teu fígado.
Eu me diverti com a argúcia
dos pequenos, afinal eu contei uma mentira para eles, Papo-Figo não existe. Ao
voltar à escola, a diretora comentou que no dia seguinte, várias mães
reclamaram do programa narrativo, pois seus filhos ficaram com medo e não quiseram
dormir de luz apagada. Na época, dez anos atrás, discorri sobre a importância
dos contos na formação da criança e as possibilidades que eles abrem para se
lidar com os afetos.
Os Irmãos Grimm têm um
conto que aborda esse tema. Chama-se O rapaz
que saiu em busca do medo. O personagem quer experimentar esta sensação de
que todos falam, mas que ele não conhece. É assim que as histórias nos preparam
para a vida e nos oferecem a possibilidade de reconhecer os sentimentos por meio
da sua linguagem fantasiosa. Não identificar esta qualidade dos contos
significa deixar escoar pelos dedos uma rica possibilidade de aprendizagem.
Também sugeri a retomada
do tema moldando em argila o monstro que coabitava a cama das crianças, para em
seguida desconstruí-lo. Essa é uma abordagem para lidar com afetos difíceis. Assumir
sua presença e o desconforto que eles provocam. Impedir que a criança conviva
com o medo só irá inibi-la de descobrir a coragem, pois só saberemos de um ao
experimentar o outro. Ao sufocar o medo e demais sentimentos dessa natureza, apenas
lhes conferimos mais poder. Mais acertado seria aceitá-los como condição do
momento, trazê-los para perto e sentir o que eles têm a dizer. E no tempo certo
deixá-los ir, cientes de que não fazem mais sentido. Acolher a complexidade dos
afetos humanos é se educar para ser livre e ampliar a consciência sobre si
mesmo.
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