Nas minhas andanças contando histórias chego também a lugares onde paira o signo da desarmonia, com barulho e gritos, tanto das crianças, como dos adultos que estão ali para orientá-las. Corre-corre e histeria disfarçada de educação. De cara penso, será que vou dar conta de narrar aqui? Inicio a sessão com uma rápida apresentação pessoal, no intuito de preparar o público para a escuta sensível, já que nesses espaços é necessário um tempo para que o silêncio se estabeleça para depois vingar o prazer e a entrega à batida leve e compassada das histórias. E assim se abre uma fenda para o maravilhamento no qual mergulhamos todos e 40 minutos de narrativa, se tornam incontáveis minutos de contentamento e comunhão com a fulgurância da ficção.
Despeço-me do público e do espaço onde deixei as histórias. Ao virar as costas, novamente barulho e gritos. Uma pergunta ressoa no meu interior: como criar um movimento de sensibilização para a fruição literária e todos os desdobramentos que ela proporciona, se o ambiente em si deseduca e anda na contramão do que acabou de se propor, ou seja, um tempo de silêncio preenchido de sentidos, pela via da arte? Como andar pela dimensão da razão sensível (como quer Maffesoli) se os sujeitos responsáveis pelo ato de educar não seguem por essa via?
Ainda há muito que se fazer no campo da educação e a aprendizagem mais urgente, talvez seja caminhar com amorosidade, substituindo cara feia por sorriso, grito por canto, rigidez por acolhimento. Se o sujeito-educador não firma um acordo consigo próprio, de se educar, se flexibilizar e se transformar num sujeito mais humano, equilibrado e alegre, como dar conta de educar o outro?
A sociedade contemporânea sofre de muitos males. As pessoas andam sem brilho no olhar, tristes, intolerantes, azedas, cegas. Falta sentido para viver, dizem alguns. Por isso vale tudo, matar e morrer, dizem outros. E a tragédia, esmiuçada até as entranhas pelos meios de comunicação, acaba sendo o alimento para o monstro. E se produz ainda mais desesperança e desespero, que geram ainda mais desgraça, e mais tragédia, e mais divulgação da desgraça, e mais descrença, e mais tragédia, e mais... ufa!. Está formada a rede do desencantamento pela vida.
Ora, esse é o momento de desligar a TV, mudar o dial da rádio, o rumo da prosa e alimentar-se com aquilo que promove a esperança de um presente melhor, com o que traz leveza e alegria e recupera a confiança na vida. Aqui entram as histórias. Algumas têm o poder de aliviar as tensões do dia-a-dia, por nos levar para o mundo do faz de conta e do final feliz. Esse encontro com a fantasia restaura o gozo de viver.
Mas pra isso acontecer é importante que se respeite a força transformadora da história e se permita que ela ecoe no interior do ouvinte. É preciso aprender a ficar no silêncio e se permitir a ouvi-lo. Assim, vamos estabelecendo um outro signo, esse de harmonia e delicadeza. Vamos recuperando o sentido para vida, que nada mais é do que vivê-la bem.
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