O orgulhoso
Monteiro Lobato
Era um jequitibá enorme, o maior da floresta. Mas orgulhoso e gabola. Fazia pouco das árvores menores e ria-se com desprezo das plantinhas humildes. Vendo a seus pés uma tabua, disse:
- Que triste vida levas, tão pequenina, sempre à beira d´água, vivendo entre saracuras e rãs.. Qualquer ventinho te dobra. Um tisiu que pouse em tua haste já te verga que nem bodoque. Que diferença entre nós! A minha copada chega às nuvens e as minhas folhas tapam o sol. Quando ronca a tempestade, rio-me dos ventos e divirto-me cá do alto a ver os teus apuros.
- Muito obrigado! – respondeu a tabua ironicamente. Mas fique sabendo que não me queixo e cá à beira d´água vou vivendo como posso. Se o vento me dobra, em compensação não me quebra e , cessado o temporal, ergo-me direitinha como antes. Você, entretanto ...
- Eu, o quê?
- Você, jequitibá, tem resistido aos vendavais de até aqui; mas resistirá sempre? Não revirará um dia de pernas para o ar!
- Rio-me dos ventos como me rio de ti - murmurou com ar de desprezo a orgulhosa árvore.
Meses depois, na estação das chuvas, sobreveio certa noite uma tremenda tempestade. Raios riscavam um atrás do outro e o ribombo dos trovões estremecia a terra. O vento infernal foi destruindo tudo quanto se opunha à sua passagem.
A tabua, apavorada, fechou os olhos e curvou-se rente com o chão. E ficou assim encolhidinha
Até que o furor dos elementos se acalmasse e uma fresca manhã de céu limpo sucedesse àquela noite de horrores. Ergueu, então, a haste flexível e pode ver os estragos da tormenta. Inúmeras árvores por t erra, despedaçadas, e entre as vítimas o jequitibá orgulhoso, com a raizama colossal à mostra...
Quanto maior a altura, maior o tombo...
- Que é tabua, vovó? - perguntou Pedrinho.
- Ora meu filho! Então não sabe o que é tabua? –
- Sei o que é tábua ...
- Pois tabua é uma planta da família das tifáceas, muito comum aqui nos nossos brejos e de cujas folhas, compridas como espadas, a gente da roça faz esteiras.
- Ah, sei! É até uma planta muito importante, a mais importante de todas, porque a gente da roça só dorme em esteira. Mas eu não digo tabua, vovó, digo piri.
- Piri é planta parecida, meu filho, não é a mesma.
Emilia achou que a moralidade da fábula estava certa, mas...
- Mas o que, Emília?
- Mas entre ser tabua e ser jequitibá prefiro mil vezes ser jequitibá. Prefiro dez mil vezes!
- Por quê?
-Por que o jequitibá é lindo, é imponente, é majestoso, só cai com as grandes tempestades; e a taboa cai com qualquer foiçada dos que vão fazer esteiras. E depois que viram esteiras tem de passar as noites gemendo sob o peso dos que dormem em cima – gente feia e que não toma banho. Viva o jequitibá.
Dona Benta não teve o que dizer.
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