á Mia pela sua docilidade |
Noite. Ouvi barulho seco
tamborilando na porta de vidro. Fui ver o que era. Dois fachos verdes
fosforescentes. Apaguei as luzes da casa, abri as portas e recebi a visita de
um vaga-lume. Presente de aniversário. Um dos mais significativos. O outro tem
sido o silêncio.
Aqui o silêncio só não é
mais abundante, por que sapos coaxam, grilos, pássaros e cigarras trilam, e as
águas repercutem nas pedras do rio produzindo sons. E quando a chuva cai,
sinfonia de pingos na folha da bananeira. Nem mesmo os cachorros ousam profanar
a paz do morro encantado.
Dia de aniversário é tempo de recomeço. Logo cedo me preparei
para o novo, numa ação tipicamente capricorniana: subir o morro. Estava uma lama
só, e enquanto caminhava ia moldando no barro os passos que daria no ano. Andar
atento para não escorregar; não pisar em falso; não me machucar, nem me atolar
em poças de água barrenta. Observava o tempo de parar e olhar para trás, para
ver o caminho lindo que eu trilhava. Descortinava-se no horizonte uma paisagem
salpicada de lagoas, montanhas e dunas. O encantamento nutre.
Na clareira da mata, junto às cascatas, celebrei a divindade.
Agradeci a mim por me dar atenção e amor; por me olhar com compaixão e carinho;
por exercitar a delicadeza e a flexibilidade comigo mesma; por me permitir a
prática da confiança e da entrega. No ano que passou andei no sol e mergulhei
no mar. Senti o frio roçar meu rosto no alto das montanhas. Dancei em noite de
lua. Meditei. Orei. Criei. E ri, e ri, e
ri.
Também chorei e soube me acalentar para acalmar. Agradeci pelas
pessoas que encontrei no caminho, faróis me mostrando o rumo, e inclui o não
julgamento como forma de olhar. O ciclo que fechei foi intenso, nada fácil. Ainda
assim alegre. Tenho sido chamada pela minha natureza saturnal a promover significativas
transformações emocionais. E estou dando conta.
Eu e toda a humanidade somos chamados a isso. O momento pede que
se amplie a consciência pessoal com o intuito de auxiliar a transformação do
gênero humano. Cada vez que nos resolvemos, tanto no aspecto físico, como
emocional, mental e espiritual; que olhamos ao redor e agradecemos àquilo que
nos é dado; quando aceitamos que a razão não é a senhora da casa e abrimos as
portas para a intuição; quando nos encaramos de frente e nos assumimos
plenamente, isentos do pensamento mágico de achar que algo de fora (seja religião,
seita, filosofia, ideologia) irá resolver os nossos problemas; quando paramos
de responsabilizar o outro pelo nosso infortúnio, estaremos ajudando na
transformação da consciência coletiva (e isto sim, é verdadeiramente sagrado,
filosófico e político). Toda a humanidade se beneficiará desta ação, e será
grata.