as camélias da nonna |
Tudo
indicava chuva. Mas ela se manteve além do céu e nos deixou compartilhar um
domingo inesquecível. Só chegou na hora de ir embora, cúmplice das nossas
águas, tantas lágrimas somadas, emoção do reencontro, de rever a história e
encontrar o mesmo sangue.
Barra
do Pinheiro, quase meio século depois da morte dos nossos nonnos, mantém marcas
de uma história deixada por lá, por esse casal e seus 13 filhos. Permanece o
poço e o muro de pedra do porão da casa deles. Ainda maior e mais bela está a
árvore de camélias, a branca e a vermelha, que a nonna plantou um século atrás. O
pé de caqui permanece lá também, ainda que agora seja apenas uma estrutura
seca, mesmo assim belo.
Impossível
não ser tocada ao entrar na mesma igreja, ver a mesma imagem do anjo da guarda
que me acompanhou tantas vezes ao Rio do Peixe ou no alto dos pés de caqui,
bergamota e laranja do pomar dos nonnos.
E se
a memória dos dois permanece viva na nossa alma, para mim, que cresci ao lado
deles, que morei em frente a casa onde eles moravam foi emoção elevada a
milésima potência. Eu lavei os cabelos da minha nonna com a água morna do seu
fogão à lenha. Eram compridos, finos e perfumados. Fantasiei-me com suas
sandálias de plataforma a la Carmem Miranda; enfeitei-me com seus broches de
ametista; rezei diante do seu altar.
Da
varanda da minha casa, eu via o nonninho sentado na cadeira de balanço, como o
olhar distante, como um gato, traço herdado pelo meu pai. O que buscavam eles
quando lançavam o olhar no nada? Nunca saberemos. Minha casa da infância! O
peito se enche de lágrimas. Os muros de pedra que sustentavam a casa estão lá
também. A escada de pedra, o poço, o pé de figo, resistindo ao tempo, meia
dúzia de folhinhas verdes ainda penduradas nos seus ramos secos. A laranjeira
que minha mãe plantou antes de sair da Barra estava lotada de laranja doce, e o
pé de bergamota que rodeava o muro, onde eu me sentava nas tardes de sol,
estava carregado.
Nossa
festa foi mais que um encontro com a família, tias queridas e primos que eu nem
conhecia. Foi um encontro com a memória. Encontro com Adélia, Fiorello, meu pai
e todos os meus tios e tias que já se foram desse mundo. Foi o encontro com a
alegria e com a certeza de que a memória e a história constroem e construíram, o que hoje eu sou.
Cléo
Busatto, filha de Victorino e Lydia
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