Jonathan Campos
Cléo BusattoDe mãos dadas com a literatura
Cléo Busatto, escritora e contadora de histórias
12/10/2012 | 03:00 | DEPOIMENTO A DIEGO ANTONELLIRetrato 3 X 4
Cléo Busatto é escritora com obras literárias para crianças. Também produz e narra histórias em CD-Rooms. Possui mestrado em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e é mediadora em projetos sobre oralidade, leitura e literatura infantojuvenil. Publicou livros teóricos sobre oralidade. Cléo também é contadora de histórias. Suas histórias já foram ouvidas por mais de 75 mil pessoas no Brasil e exterior.
Ensinava a gente a viver bem naquele mundo pequeno, ainda que gigante nas oportunidades. Ali nos descobrirmos vivos e felizes com o que tínhamos. À noite, eu a ajudava a criar o material pedagógico para suas aulas, recortava, colava, folheava revistas, criava. Desse universo para a leitura foi um pulo.
Nasci numa família leitora. Era uma menina muito rica, porque tinha dois armários de livros. O primeiro, grande e amarelo, no quarto de trabalho da mãe, com seu material da escola, as revistas Seleções e Almanaque Pensamento, do pai; vidros com purpurina, formas de ferro para fazer flores de pano e outras coisas quase nunca utilizadas, ainda que despertassem minha curiosidade.
Já o segundo armário ficava na sala de jantar. Era menor e com duas portas de vidro. Dentro dele morava Victor Hugo e seu Os miseráveis, que li aos 8 anos e me fez chorar. Robson Crusoé, que instigou meu espírito aventureiro; e enciclopédias com mitos de povos distantes, contos de fadas e princesas, que eu lia sentada na cadeira de balanço da varanda perfumada pelas flores cultivadas pela mãe. E sonhava.
Eu podia ser tudo. Uma menina que morava num castelo nas nuvens. Uma heroína perdida na selva. Uma artista de cinema.
Um dia, aos 3,5 anos, minha mãe escreveu um texto no quadro-negro e pediu a um aluno que lesse. Eu é quem li. Tempo depois, já com 4 anos fui visitar minha irmã no colégio das freiras, no qual ela estudava, na cidade vizinha. A mãe contou à madre diretora que eu lia. A mulher me levou para a sala dos professores. Ali, enormes estantes de madeira escura com portas envidraçadas e repletas de livros. Tirou um deles, entregou-me e disse ‘leia’. Ao abrir o livro me encantei com as gravuras e mergulhei na história.
Um dia, aos 3,5 anos, minha mãe escreveu um texto no quadro-negro e pediu a um aluno que lesse. Eu é quem li. Tempo depois, já com 4 anos fui visitar minha irmã no colégio das freiras, no qual ela estudava, na cidade vizinha. A mãe contou à madre diretora que eu lia. A mulher me levou para a sala dos professores. Ali, enormes estantes de madeira escura com portas envidraçadas e repletas de livros. Tirou um deles, entregou-me e disse ‘leia’. Ao abrir o livro me encantei com as gravuras e mergulhei na história.
No instante seguinte, já não estava naquela sala, diante de uma autoridade que testava minha capacidade leitora, e sim no alto de um cinamomo que havia atrás da janela da cozinha da casa onde eu morava. Nos últimos galhos da copa, com a galinha e seus ovos de ouro embaixo do braço. Depois, eu descia rapidamente para fugir do ogro devorador de gente. Entrava pela janela, pulava sobre a pia da cozinha e dali para meu quarto, a salvo, com o tesouro que havia conquistado.
Eu lia João e o pé de feijão. E só fui me dar conta, anos mais tarde, ao ressignificar minha história, que o tesouro que eu havia conquistado era a leitura e a condição que a literatura nos oferece de transcender os limites do provável, para entrar no campo das possibilidades infinitas. Naquele momento nascia a escritora e narradora de histórias (ainda que eu não tivesse essa consciência).
Nessa trajetória, de vir a ser o que sou, segui o chamado. Isso é o que quer dizer vocação, não é? A palavra falada e escrita foram as pedrinhas de brilhante que coloquei no meu caminho. Daí, para me tornar também uma agente do reencantamento, um pulo. Explico. Para mim, o bom mediador de leitura é aquele capaz de despertar um olhar diferenciado para o mundo. Que ler é condição básica para o exercício da cidadania, ninguém questiona.
Mas reconhecer a importância da subjetividade e da fantasia na formação do ser humano; compreender que a literatura apresenta uma linguagem simbólica e intangível, e que por meio dela se revelam as diferentes dimensões do sujeito, ainda não é entendimento da maioria. Acho que as boas histórias, aquelas permeadas pela alma do mundo provocam a sensação de fazer parte de algo maior, como ser perpassado pelo mistério da vida.
Elas nos levam à transcendência dos limites do mundo pessoal marcado por dores e alegrias, para nos introduzir na universalidade da experiência humana. Essa sensação de pertencimento sugerida pela literatura faz toda a diferença. Facilita a experiência com o sagrado que se revela a partir do aguçamento da percepção e que pode ser sentida como a mudança do nível de consciência. Para isso existem as histórias. Para isso existe a literatura. Portanto, cabe a nós, leitores e mediadores de leitura, dimensionar e revelar os efeitos e afetos da literatura na nossa vida e na vida daqueles com os quais atuamos.
Pensando nisso, criei o projeto ‘De Caso com a Palavra’*, que foi abraçado pela Biblioteca Pública do Paraná. Um evento literário em duas ações: na primeira, a formação de mediadores de leitura que atuam nas bibliotecas públicas do Paraná através de 17 oficinas. A segunda, três fóruns com convidados na área. É uma ação necessária, já que a biblioteca não se constitui como espaço formador se não tiver um agente sensível e sensibilizado pela leitura, mais ainda a do texto literário. E nessa caminhada pelo estado vamos descobrindo que se fazem mais ações literárias do que se imagina, mas ainda pouco para que a literatura e o livro se estabeleçam no imaginário da comunidade e sejam vistos com bons olhos. É um longo caminho e ele está apenas começando.”
*‘De Caso com a Palavra’ é um projeto aprovado pela Lei Rouanet, com o aval da Secretaria de Cultura do Estado e patrocinado pela Copel.
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