28 de out. de 2012

Eu, leitora





Eu e as palavras sempre andamos de mãos dadas. Um caso que se iniciou nos primeiros três anos de vida. Nasci num povoado no interior de SC. Ainda pequena seguia os passos da minha mãe, que ia lecionar acompanhada de um periquito que cantava o Hino Nacional com os alunos. Ela lecionava na escola multisseriada do vilarejo. Poucas crianças, suficiente para encher a única sala.
Minha mãe era um sujeito transdisciplinar antes mesmo de Piaget cunhar o termo. Cruzava conhecimentos e afetos;  misturava português e matemática com teatro; praticava literatura na coroação de Nossa Senhora; ensinava história ao nos fazer bordar colchas maiores que nós. Ensinava a gente a viver bem naquele mundo pequeno, ainda que gigante nas oportunidades. Ali nos descobrirmos vivos e felizes com o que tínhamos. À noite, eu a ajudava a criar o material pedagógico para suas aulas: recortava, colava, folheava revistas, criava. Desse universo para a leitura foi um pulo.
Nasci numa família leitora. Era uma menina rica, tinha dois armários de livros. O primeiro, grande e amarelo, no quarto de trabalho da mãe, com seu material da escola, meus gibis, as revistas Seleções e Almanaque Pensamento do pai. O segundo, menor, ficava na sala. Dentro dele morava Victor Hugo e seu Os miseráveis que li aos 8 anos e me fez chorar. Robson Crusoé, que instigou meu espírito aventureiro; enciclopédias com mitos de povos distantes, contos de fadas e princesas, que eu lia sentada na cadeira de balanço da varanda. E sonhava. Eu podia ser tudo. Uma menina que morava num castelo nas nuvens. A heroína perdida na selva. A artista de cinema.
Um dia a mãe escreveu um texto no quadro-negro e pediu a um aluno que lesse. Eu li. Tinha 3 anos e meio. Aos 4 fui visitar minha irmã no colégio onde ela estudava, na cidade vizinha. A mãe contou à madre diretora que eu lia. A mulher me levou à sala dos professores, tirou um livro da estante de madeira escura e disse, leia. Ao abrir o livro me encantei com as gravuras e mergulhei na história. No instante seguinte, já não estava diante da autoridade que testava minha capacidade leitora, e sim no alto do cinamomo que havia atrás da janela da cozinha da casa onde eu morava. Estava na copa da árvore com a galinha dos ovos de ouro embaixo do braço. Para fugir do ogro descia rapidamente e me escondia no quarto.
Lia João e o pé de feijão. Só mais tarde, ao ressignificar minha história, eu fui me dar conta que o tesouro conquistado era a leitura e a condição que a literatura nos oferece de transcender os limites do provável, para entrar no campo das possibilidades infinitas. Naquele momento nascia a escritora, a narradora de histórias (ainda que eu não tivesse essa consciência). E, nessa trajetória de vir a ser o que sou, segui o chamado, a vocação. Ouvi a voz do coração. A palavra falada e escrita foram as pedrinhas de brilhantes que coloquei no caminho por onde passa o meu amor.

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Oralidade na primeira infância

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