Eu e as palavras sempre andamos
de mãos dadas. Um caso que se iniciou nos primeiros três anos de vida. Nasci
num povoado no interior de SC. Ainda pequena seguia os passos da minha mãe, que
ia lecionar acompanhada de um periquito que cantava o Hino Nacional com os
alunos. Ela lecionava na escola multisseriada do vilarejo. Poucas crianças,
suficiente para encher a única sala.
Minha mãe era um sujeito
transdisciplinar antes mesmo de Piaget cunhar o termo. Cruzava conhecimentos e afetos;
misturava português e matemática com
teatro; praticava literatura na coroação de Nossa Senhora; ensinava história ao
nos fazer bordar colchas maiores que nós. Ensinava a gente a viver bem naquele
mundo pequeno, ainda que gigante nas oportunidades. Ali nos descobrirmos vivos
e felizes com o que tínhamos. À noite, eu a ajudava a criar o material
pedagógico para suas aulas: recortava, colava, folheava revistas, criava. Desse
universo para a leitura foi um pulo.
Nasci numa família leitora. Era
uma menina rica, tinha dois armários de livros. O primeiro, grande e amarelo,
no quarto de trabalho da mãe, com seu material da escola, meus gibis, as
revistas Seleções e Almanaque Pensamento do pai. O segundo, menor, ficava na
sala. Dentro dele morava Victor Hugo e seu Os
miseráveis que li aos 8 anos e me fez chorar. Robson Crusoé, que instigou meu espírito aventureiro; enciclopédias
com mitos de povos distantes, contos de fadas e princesas, que eu lia sentada
na cadeira de balanço da varanda. E sonhava. Eu podia ser tudo. Uma menina que
morava num castelo nas nuvens. A heroína perdida na selva. A artista de cinema.
Um dia a mãe escreveu um texto no
quadro-negro e pediu a um aluno que lesse. Eu li. Tinha 3 anos e meio. Aos 4
fui visitar minha irmã no colégio onde ela estudava, na cidade vizinha. A mãe
contou à madre diretora que eu lia. A mulher me levou à sala dos professores,
tirou um livro da estante de madeira escura e disse, leia. Ao abrir o livro me
encantei com as gravuras e mergulhei na história. No instante seguinte, já não
estava diante da autoridade que testava minha capacidade leitora, e sim no alto
do cinamomo que havia atrás da janela da cozinha da casa onde eu morava. Estava
na copa da árvore com a galinha dos ovos de ouro embaixo do braço. Para fugir
do ogro descia rapidamente e me escondia no quarto.
Lia João e o pé de feijão. Só mais tarde, ao ressignificar minha
história, eu fui me dar conta que o tesouro conquistado era a leitura e a
condição que a literatura nos oferece de transcender os limites do provável,
para entrar no campo das possibilidades infinitas. Naquele momento nascia a
escritora, a narradora de histórias (ainda que eu não tivesse essa consciência).
E, nessa trajetória de vir a ser o que sou, segui o chamado, a vocação. Ouvi a
voz do coração. A palavra falada e escrita foram as pedrinhas de brilhantes que
coloquei no caminho por onde passa o meu amor.
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